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A estética vamp: ocultismo e sexualidade nos primórdios do cinema

30 de julho de 2015, por Rafaella Britto
Cinema & TV

Ao longo das eras, as religiões e as artes exerceram especial função na construção da personagem feminina. Nos folclores e mitologias, predominam a dicotomia entre a virgem imaculada e a mulher fatal, construída desde a Antiguidade Clássica.

No sentimentalismo exacerbado e sombrio do romantismo na poesia do século 19, o ideal da mulher perfeita é descrito em metáforas como “anjo” e “flor”.

O cinema do início do século 20 introduziu ao imaginário popular um novo estereótipo feminino: a “vamp”, anti-heroína, mulher sedutora que suga a energia e virilidade dos homens, os tornando cegos de paixão e os levando à ruína. O termo é comumente associado ao sadomasoquismo.

Theda Bara é considerada a precursora da alcunha “vamp”. Os filmes “A Fool There Was” (no Brasil, “Escravo de uma Paixão”), de 1915, e “Cleópatra”, de 1917, a consolidaram para sempre como a primeira sex symbol do cinema.

Theda Bara

(Foto: Reprodução)

Naquela época, acreditava-se que o nome Theda Bara seria um anagrama de “Arab Death” (Morte Árabe). A indústria construiu a imagem da atriz de maneira a torná-la uma mulher jamais antes vista, promovendo-a sob o título de“Serpente do Nilo”.

Contava-se que ela havia nascido no Egito, era filha de um escultor italiano e de uma atriz francesa, e que vivera no deserto do Saara, “sob a sombra da esfinge”. Os estúdios encorajaram-na a declarar publicamente seu interesse pelas doutrinas do ocultismo. Theda Bara tornou-se a maior estrela hollywoodiana, atrás apenas de Chaplin e Mary Pickford.

Atriz Theda Bara

(Foto: Reprodução)

Somente mais tarde soube-se que ela era americana, oriunda de família judaica, e nunca esteve no Egito. Seu verdadeiro nome era Theodosia Burr Goodman. Seu nome artístico é a junção de um apelido de infância, Theda, e Bara, uma forma encurtada do seu sobrenome materno, Baranger. Embora consagrada por sua aura de mistério e sedução, dizia-se que, na vida real, a atriz era tímida e recatada.

Ícone de belezamuito à frente do seu tempo, Theda Bara atuou em 39 filmes, de 1914 a 1926. Destas obras, somente seis sobreviveram intactas até a atualidade. É a atriz com maior número de obras perdidas da história.

Theda Bara

(Foto: Reprodução)

Um de seus filmes perdidos é o épico “Cleópatra”, de 1917, do qual restam apenas 40 segundos. O conservadorismo do período impediu “Cleópatra” de ser exibido ao público, por ser considerado demasiado obsceno.

Muito embora muitos de seus filmes não possam ser vistos, restam fotografias de seus figurinos que, mesmo em nossos dias, causam escândalo e comoção pela autenticidade e precisão artística: trajes transparentes, ricos em detalhes manuais e peças risqué (pouco decentes ou chocantes). A maquiagem escura, em contraste com a palidez do rosto, acentuava os ares sombrios e predatórios de suas interpretações.

Theda Bara

(Foto: Reprodução)

Contemporânea de Theda Bara é a atriz francesa Musidora. Musidora (em grego, “presente das musas”), tornou-se famosa ao interpretar a cantora de cabaré Irma Vep no seriado policial do cinema mudo “Les Vampires”, de Louis Feuillade. Apesar do título, “Les Vampires” não trata de criaturas fantásticas, mas, sim, de uma gangue criminosa existente durante a Belle Époque parisiense.

O seriado foi exibido irregularmente nos cinemas franceses de 1915 a 1916, sem qualquer popularidade. Somente após a Primeira Guerra Mundial descobriu-se a importância artística e cultural da obra de Louis Feuillade. “Les Vampires” é considerado o marco inicial da vanguarda cinematográfica francesa, influenciando cineastas como Fritz Lang e Luís Buñel. As expressões animalescas e o exotismo dos trajes de Musidora tornaram-na a primeira musa do surrealismo.

Musidora

(Foto: Reprodução)

Na década de 1920, Bara e Musidora eram inspirações para as sensuais atrizes Pola Negri e Nita Naldi. Com o advento do cinema falado, a imagem da “vamp” tornou-se démodé, levando inúmeras artistas do período mudo à falência.

Vamp

Paola Negri e Nita Naldi (Foto: Reprodução)

Entretanto, a estética “vamp” se faz mais presente na atualidade do que imaginamos, influenciando personagens da cultura pop como Elvira (Cassandra Peterson), Morticia Addams (Angelica Houston), e subculturas alternativas como o gótico. No Brasil, Claudia Ohana lançou moda ao interpretar a cantora de rock Natasha na novela “Vamp”, exibida pela Rede Globo de 1991 a 1992.

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2 Responses

  1. Como você mesma disse, mesmo hoje em dia o estilo dela pode ser chocante para muita gente!
    Também fiquei muito triste que tenha se perdido muito filmes dela, mas infelizmente, pela data que ela atuou, de 1914 a 1926, foi durante a Primeira Guerra Mundial e antes da Segunda….Um período horrível da história e que muitas coisas e pessoas foram destruídas.
    Gostaria de saber porque ela atuou por tão pouco tempo? Apenas 12 anos.

    1. Sim, Lais, é realmente triste, e um crime contra a humanidade que tantas películas tenham sido perdidas. Theda era uma atriz excelente, com formação no teatro, mas por ser considerada exótica, sua carreira no cinema não foi tão versátil. A imagem da “vamp” logo cairia de moda, então, de qualquer maneira, ela já não teria um grande espaço no cinema. Mas há quem diga que ela se afastou do cinema por influência do marido, o diretor Charles Brabin, com quem esteve casada até sua morte, em 1955. Brabin não permitia que ela tivesse uma carreira no cinema, o que é realmente triste. Foi uma carreira meteórica e de muito mistério.

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