Home > Destaque > Brasil antigo: Veja as histórias das temidas ‘mulheres-aranha’

Brasil antigo: Veja as histórias das temidas ‘mulheres-aranha’

11 de janeiro de 2016, por Alberto de Oliveira
Lifestyle

Mysteria, mulher-aranha popular no exterior nos anos 1920 (Foto: Reprodução)

Habilidosas, astutas e peçonhentas, as aranhas sempre estiveram presentes no imaginário popular, muitas vezes ligadas à figura feminina por aqueles que pretendem atribuir às mulheres tais características. Na mitologia grega, por exemplo, encontramos a história da jovem Aracne, a qual dominava com tanta excelência a arte de bordar que se achou comparável ou até mesmo superior à deusa Atena em seus trabalhos.

As versões do que teria ocorrido entre Aracne e Atena variam, mas o fato é que a moça terminou transformada em aranha pela deusa, condenada a continuar tecendo eternamente. No século XIX, a mulher e a aranha voltaram a se fundir nos palcos mundo afora em um número que teria sido inventado pelo mágico Henry Roltair, que o exibia em seu show itinerante e em Coney Island. Tratava-se de um truque que dava ao público a impressão de estar diante de uma aranha com cabeça de mulher.

Propaganda do show da mulher-aranha

Propaganda do show da mulher-aranha que se encontrava em cartaz na Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 1912 (Foto: Reprodução)

Também no Brasil tivemos muitas mulheres-aranha expostas em teatros, cinemas, exposições, parques de diversões, circos e barracões aos que pagavam ingresso para vê-las, sendo que até meados da segunda metade do século XX esse espetáculo ainda era comum no país e podia ser encontrado com certa facilidade, principalmente em cidades interioranas.

Como a Aracne da mitologia, transformada em aranha por castigo divino, algumas dessas mulheres-aranha eram apresentadas como tendo sido vítimas de maldições e pragas, geralmente maternas. Outras eram anunciadas como espécimes raros nascidos assim, oriundos de lugares exóticos e distantes.

Em dezembro de 1912, o Rio de Janeiro teve a oportunidade de assistir a uma “mulher-aranha viva”, que comia e falava “à vista do público” e teria sido trazida pelo faquir indiano Yan-Kallay. Ela podia ser vista em um salão na Praça Tiradentes, no mesmo local onde eram mostrados à plateia “a possibilidade da vivificação da matéria morta e das suas transformações”, “a decapitação de uma pessoa”, “a deformação de qualquer pessoa à vista do público” e ainda “duas sereias vivas em um tanque de cristal”, além de “sessões de hipnotismo, magnetismo, telepatia, catalepsia, espiritismo, ilusionismo” e um amplo leque de exotismos compilados sob o nome “Os mistérios das Índias”.

Os que promoviam o show foram chamados pelo jornal carioca “Correio da Manhã” de “exploradores sem escrúpulos” no meio da temporada, em reportagem que denunciava o número, “um truque, porcamente feito”, como o “horrível suplício de uma pobre criança, obrigada a conservar-se em posição extenuante das seis horas da tarde até a meia-noite”. Segundo o jornal, a “infeliz menor” se encontrava em tal “estado de alquebramento” que ficava “quase sem voz” nas últimas sessões.

A acusação foi rebatida pelo empresário Alfredo Luzuriaga, o responsável pelo espetáculo, cujo número de visitantes “redobrou” por conta do “sucesso do reclame”. Em fevereiro de 1913, porém, o “Jornal do Brasil” anunciava: “Uma aranha com cabeça de mulher, que come e fala à vista do público, com sua instalação, onde trabalha, vende-se por um conto de réis, ou aceita-se sócio. Excelente negócio. Pode render mais 100$ diários; tratar com Alfredo.”.

Mulher-aranha estrangeira

Mulher-aranha estrangeira em espetáculo realizado no exterior (Foto: Reprodução)

Alguns anos depois, Etelminio Lyra, o filho de um fazendeiro de Caruaru, cidade pernambucana, comprou no Rio de Janeiro por 2:000$000 “o aparelho da Aranha”, como era chamado o equipamento usado para o truque da mulher-aranha.

Na capital carioca, Etelminio conheceu uma jovem prostituta, Marietta Serra, por quem se apaixonou. Com ela, o rapaz retornou ao Nordeste e passou a apresentar Marietta como “a Aranha Humana”. O número foi ao cartaz na Bahia e em diversas cidades de Pernambuco.

No Teatro Moderno, em Recife, Marietta, que “era suave e graciosa, com uns olhos grandes e brilhantes”, ficou conhecida pelo público. “O seu trabalho não provocava, na verdade, grandes entusiasmos.”, diria o “Jornal do Recife” mais tarde, “Mas satisfazia plenamente aos auditórios, pela sua expressão fisionômica, muito terna e amorável.”.

Quando a mulher-aranha deixou de ser novidade na cidade e o casal se deu conta de que tivera mais prejuízos do que lucros em sua turnê, Etelminio resolveu lançar Marietta novamente no meretrício, passando a habitar com ela diversas pensões de mulheres, sustentado agora pelo antigo ofício da companheira. Por fim, foram parar na Pensão Elegante, cuja dona era Madame Emma Kelly.

Ali, em 1919, Etelminio notou que Marietta deixava de amá-lo aos poucos e em meio a uma discussão ouviu dela a seguinte frase: “Ora, Etelminio, você me traz de tão longe para outros…”. Furioso, o jovem retrucou: “Pois nem eu, nem mais ninguém.”, tomando então de uma faca e matando Marietta com inúmeros golpes. Em seguida, atirou-se às ruas, desesperado, e entregou-se à prisão.

Poucos anos depois, Etelminio, que escapara de ser condenado por ser “o produto da união de uma epilética com um alcoólatra”, o que fazia dele um “anormal” (em sua defesa, seu advogado usara até os princípios da eugenia), seria assassinado em Caruaru por um rival. O caso ficou célebre em Recife na época como “o assassinato da mulher-aranha”.

Cartaz estrangeiro sobre mulher-aranha

Cartaz estrangeiro pintado pelo artista Snap nos anos 1930 para anunciar o espetáculo de uma mulher-aranha.

Nem tudo que envolvia o universo das mulheres-aranha eram maldições e tragédias. Lina, “o mais horripilante bicho que se tem visto, pois tem corpo e pernas de aranha e cabeça de gente, e além de causar grande pavor pelo seu aspecto horrendo, tem a sensacional particularidade de gesticular, roncar e falar, respondendo, por acenos e por palavras, as perguntas razoáveis e decentes que o público lhe fizer”, causou grande comoção popular no Brasil em meados dos anos 1930, tendo sido visitada, no Rio de Janeiro, até mesmo por Getúlio Vargas, então Presidente da República.

Marietta Serra, a mulher-aranha

Marietta Serra, a mulher-aranha de Recife, assassinada por seu amante em uma pensão de mulheres em 1919. (Foto: Reprodução)

Enquanto Lina fora “apanhada nos perigosos sertões da Índia”, segundo um anúncio da época, outra mulher-aranha em cartaz no Acre duas décadas mais tarde teria se transformado “em aranha nas selvas da África Oriental”.

Em 1959, em franca decadência, o número da mulher-aranha continuava em cartaz no Rio de Janeiro, ainda Capital Federal, porém em circunstâncias bem diferentes da pompa com que sua antepassada Lina era visitada pelo Presidente da República: em um terreno baldio onde antes funcionara um “Museu de Cera” e agora se encontravam montadas duas exposições, uma de peixes-elétricos, da qual fazia parte a mulher-aranha, e outra de “educação sexual”.

“Observando as instalações atrás do palco onde a mulher-aranha se apresenta”, contava o jornal “Correio da Manhã” na ocasião, “notamos imundície indescritível. Até mesmo uma oficina de rádio funciona no local.”.

Entre tantas outras atrações que se perderam conforme cresciam os meios de comunicação e diminuía a credulidade pública, também as nossas mulheres-aranha foram se extinguindo aos poucos, restando delas apenas alguns poucos anúncios e notícias em jornais antigos e a vaga lembrança de quem chegou a tempo de assisti-las.

Matérias Relacionadas
Mulher Aranha
Mulher Aranha: sabiam que a primeira versão feminina do herói era negra?

Deixe um comentário