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Conheça a história de Lili, a anã que alcançou sucesso nos palcos nacionais nos anos de 1930

25 de novembro de 2015, por Alberto de Oliveira
Lifestyle

No século 19 eram muito populares, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, os chamados Freak Shows, circos de horrores que apresentavam pessoas consideradas na época como aberrações por serem, de alguma forma, diferentes dos padrões estabelecidos, cobrando ingresso de quem quisesse vê-las.

Embora tal gênero de espetáculo seja visto de forma negativa por muita gente nos dias de hoje, para os portadores de algum tipo de anomalia ou para aqueles que simplesmente eram gordos, magros, altos ou baixos demais, sendo marginalizados socialmente por conta de seus corpos ou de suas aparências, se tornar atração de um desses shows era, muitas vezes, a única forma de garantirem a sobrevivência.

O universo do freak show brasileiro é bem pouco falado e conhecido pelo grande público, mas, até hoje, ainda existem reminiscências do gênero presentes em nossa sociedade. Entre elas, podemos citar a presença frequente de anões na mídia, em programas de variedades e humor. Nos anos 1930, uma anã brasileira, conhecida na vida artística como Lili, alcançou grande sucesso nos palcos nacionais, atuando em teatros, circos, cinemas e dancings e sendo notícia constantemente na imprensa, quase sempre envolvida em casos pitorescos.

Registro da artista Lili

Registro de artista de Lili na Delegacia de Costumes e Diversões do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)

Arivle Augusta Borges nasceu em Botafogo, no Rio de Janeiro, no dia 15 de abril de 1913. Única anã da família, filha de uma mulher chamada Elvira, ganhou um nome original, que nada mais era do que o nome de sua mãe escrito ao contrário – “Até no nome, Lili é errada…”, diria o jornal carioca “Diário da Noite” em reportagem publicada sobre ela em 1939.

Para se ter uma ideia da imagem que se tinha dos anões naqueles anos, basta reproduzir as seguintes linhas, publicadas no mesmo periódico, em uma reportagem de 1936 sobre Lili: “Dizem acertadamente os fatalistas que o destino dos homens vem traçado desde o dia em que nasceram. E num ponto, pelo menos, estão certos. É no que se refere aos pobres diabos que nascem com o sinal indelével, o estigma indestrutível da monstruosidade. Parece que a fatalidade os predestinou para fazê-los alvo da curiosidade e divertimento dos outros homens. Há quem diga que são maus os monstros, que se vingam da própria fealdade e inferioridade física aprimorando o espírito em requintes de maldade. Porém, o caso que vamos relatar bem reflete os sentimentos muito humanos que muitas vezes podem sobrepujar até o espírito de vingança desses pobres entes.”.

“É uma história interessante em que aparece, sobrepondo-se a todo e qualquer outro sentimento, o amor a dirigir a vontade de uma jovem que se fez artista pela sua condição de anã.”, seguia a reportagem, “O seu nanismo, ao invés de fazê-la má, tornou-a boa, predominando no seu pequenino coração, ao invés da revolta contra a anormalidade inelutável, um outro sentimento diferente, muito humano e capaz de levá-la a um passo que talvez lhe possa trazer a ruína.”. O sentimento ao qual a reportagem fazia referência era a ardente paixão de Lili por um jogador de futebol, alto e forte, com quem ela fugira de casa.

Anã Lili

Anã Lili (Foto: Reprodução)

“Aos catorze anos de idade, senti os primeiros pendores artísticos.”, contaria Lili ao jornal carioca “A Noite” em 1948, “Fui a um circo e, desde então, fiquei escrava do picadeiro. Não podia fugir à fascinação da gente do meu tamanho. Não sei por que, os anões têm loucura pelo circo. Eles e os palhaços de vocação só podem viver quando estão debaixo de uma lona velha.

E eu não fugi à regra. Juntei-me de corpo e alma a essa gente boa, tornando-me artista.”. Nos palcos, Lili costumava se apresentar cantando e dançando e era anunciada como “Lili, a menor anã do mundo, com oitenta centímetros de altura. Pequena no tamanho e grande na arte, pois canta e baila como gente grande, no seu variadíssimo repertório de sambas e marchas.”.

A artista alcançou grande prestígio junto ao público a partir dos anos 1930, década em que conheceu Alcides Machado da Silva, jogador de futebol do Olaria Atlético Clube e enfermeiro e massagista do Bonsucesso Futebol Clube, mais conhecido como Paulista, descrito pela imprensa como “um tipo agigantado e atlético”, “alto, forte, com atitudes, pelo menos na aparência, másculas”.

“Quando contava vinte e quatro anos de idade, nas proximidades do circo onde estava trabalhando, em Olaria, conheci um homem que mexeu comigo.”, diria Lili, em 1948, ao jornal “A Noite”, “Ele disse que gostava da minha voz. Parei e ele me pediu que cantasse o ‘Hino Nacional’. Achei graça e respondi-lhe que na rua não poderia cantar. E segui o meu caminho. Na noite seguinte, quando apareci no picadeiro, vi sentado numa cadeira o único homem que se dirigira a mim. Cantei com alma, arranquei aplausos. Depois, mais um encontro e outro mais e esse homem, que não é anão, tornou-se meu amante.”.

O romance de Lili, porém, não era bem visto por sua mãe, razão pela qual, por mais de uma vez, a artista fugiu de casa com Paulista. Nessas ocasiões, Elvira ia aos jornais e pedia a ajuda dos leitores para localizar sua filha.
“Turnê criminosa? Contratada por três dias, a artista anã há dois meses que está ausente de casa”, dizia uma das manchetes a respeito. Enquanto isso, longe de casa, a pequena Lili se envolvia em grandes aventuras, como em certa ocasião, em 1937, em que salvou duas jovens raptadas pelo pai. O homem simulara um suicídio três anos antes, sequestrando em seguida as duas filhas e levando-as da mãe, com quem viviam na capital carioca, para Cabo Frio.

Quando Lili se encontrava na cidade com um circo, as jovens foram até ela e contaram-lhe tudo, pedindo que a anã as devolvesse à mãe. O episódio se tornou notícia, é claro, com Lili no papel de heroína.

Jornal O Globo, 1937

(“O Globo”, Rio de Janeiro, RJ, 04 de julho de 1937)

Tudo era motivo para que os jornais dessem atenção a Lili, desde sua casa, com “móveis condizentes com o seu tamanho e tipo”, como “uma cama de oitenta centímetros de comprimento e todas as demais peças de um mobiliário de quarto, todas pequeninas, para servir a ela exclusivamente”, nas palavras do “Diário da Noite” carioca, até sua interpretação do anão Tico-Tico em uma luxuosa montagem de “Branca de Neve e os sete anões” no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, em 1938, quando o desenho animado de Walt Disney baseado no conto dos Irmãos Grimm chegava aos cinemas nacionais. “Tico-Tico é o Atchim dos sete anões de Branca de Neve, da praça Tiradentes. Triste destino de anã.”, publicou a revista “O Cruzeiro” na época, “Dupla ironia. Travesti em sessenta e um centímentros.”.

Revista O Cruzeiro, 1938

Reportagem da revista “O Cruzeiro” com Lili e os demais anões da “Branca de Neve” da praça Tiradentes (“O Cruzeiro”, 17 de dezembro de 1938)

Porém, a última vez em que Lili esteve em evidência foi por um caso trágico que se passava com ela: a morte de seu filho recém-nascido, chamado pelos repórteres de “bebê gigante”, em 1948. Desde sempre, Lili alimentava o sonho de ser mãe. Embora tivesse tentado durante muitos anos, não conseguira, vindo a adotar uma menina de dez meses, a quem chamou Maria do Carmo, a qual perdera a mãe e estava sendo dada embora pelo pai na cidade de Paraguaçu, em Minas Gerais.

Maria do Carmo já contava onze anos de idade quando Lili conseguiu finalmente engravidar. Estando separada de Paulista, a artista recebia ainda, às vezes, a visita dele, que embora vivesse com outra mulher, continuava apaixonado por ela. De uma dessas visitas, nasceu um menino de quarenta e nove centímetros, Jorge. Lili deu à luz na Maternidade de Niterói e o nascimento do menino foi noticiado como um “número extra”, atraindo muitos curiosos para o local, ansiosos por ver a anãzinha e seu filhão.

Jorge faleceu poucos dias depois e Lili também passou muito mal, quase morrendo, chegando até mesmo a contar para a filha adotiva, através dos jornais, que ela era adotada, pois Maria do Carmo era perseguida pelas outras crianças, que só se referiam à menina como “filha da anã”, e a artista temia morrer sem que a filha pudesse conhecer sua verdadeira origem.

Jornal A Noite, 1948

(“A Noite”, Rio de Janeiro, RJ, 11 de dezembro de 1948)

Lili se recuperou e seguiu em frente, sumindo da mídia a partir de então. Muito tempo depois, terminaria seus dias no Retiro dos Artistas, entre o anos 1980 e 1990, divertindo os demais residentes até o final de sua vida vestida de Carmen Miranda, dançando e cantando seu repertório do passado. Embora seu nome seja pouco lembrado atualmente, Lili marcou época e enfrentou os preconceitos sociais, ganhando projeção positiva em um mundo de pretensos iguais em que o notadamente diferente é visto, não raramente, de forma negativa. “Ser gigante é muito pior.”, dizia Lili, “É mais feio e bem mais incômodo. Quando chega a qualquer lugar, tem dificuldade em tudo. Portanto, não tenho nada de me queixar da minha microaltura.”.

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