Mesmo com pontuais deslizes no roteiro e a supressão de fatos relevantes, tais argumentos não servem como pretexto para não conferir a primeira cinebiografia da nossa eterna “Pimentinha”. Posso afirmar que entrei na sessão fã de Elis Regina e saí fã de Andréia Horta. Sim, ela carrega o filme nas costas do início ao fim. Em certos momentos até divide a carga com outros colegas, como Júlio Andrade, que atua no papel do coreógrafo americano Lennie Dale. Mas é Andréia que preenche as lacunas de um enredo pouco profundo.
Elis – O Filme estreou nas principais salas de cinema do país em 24 de novembro de 2016, após quase 35 anos da morte da cantora. Apresenta um recorte em ordem cronológica, tendo como ponto de partida sua chegada ao Rio de Janeiro (RJ) em abril de 1964, vinda de sua cidade natal Porto Alegre (RS), até sua “morte acidental” por overdose.
A árdua missão de espremer 18 (intensos) anos em duas horas ficou a cargo dos roteiristas Luiz Bolognesi e Vera Egito, em conjunto com Hugo Prata, também diretor do longa. Digo árdua porque quando se trata de Elis Regina tudo é marcante. Mas o que mais doeu foi a omissão da famigerada parceria com Tom Jobim, que resultou no disco Elis & Tom de 1974, um dos mais cultuados da história da música. Questão ainda sem respostas.
Além de Andréia e Júlio, outras atuações são dignas de comentários positivos. Os atores Lúcio Mauro Filho e Gustavo Machado, que interpretam respectivamente a dupla de compositores Miele-Bôscoli, retratam o típico artista imerso no reduto musical carioca, dando uma certa irreverência aos personagens com muito bom humor.
Caco Ciocler, na pele do pianista César Camargo Mariano, pode não ter entregue uma interpretação lá muito expressiva, mas apenas pelo fato de ter aprendido a tocar piano exclusivamente para este trabalho, merece o registro. Fica o destaque também ao diretor de arte Fred Pinto, que executou com maestria o retrato da época.
Um ponto que gera reflexão, mesmo que por óbvio, é a ausência completa de outras figuras femininas, inclusive da mãe da artista. Quem já leu uma biografia ou até mesmo qualquer reportagem sobre a Elis, sabe que seu temperamento explosivo lhe rendeu rusgas com várias cantoras, como Nara Leão e Alaíde Costa. Uma das poucas brasileiras que conquistou seu respeito foi Rita Lee, que apesar do início conturbado, a relação acabou virando em uma grande amizade.
Mas talvez a sensação que essa ausência causa seja exatamente a imagem que a cantora tinha de si mesma: ela era única. Uma mulher enfrentando sozinha os percalços da indústria fonográfica formada em sua maioria por homens e, ao mesmo tempo, lidando com divórcios e filhos, alimentando cada vez mais suas angústias. Tudo isso no período da ditadura militar. Aí que o bicho pega.
Buscando complementar minha humilde visão sobre o filme, conversei com o produtor musical Sepé De Los Santos, que trabalhou no LP Elis de 1972: “Quem conheceu e conviveu com a Elis, não tem como negar a brilhante atuação da Andréia Horta. Cantando, o gestual às vezes faz a gente lembrar que não é a Elis, mas falando é de arrepiar. Eu convivi com a Elis em 1971, quando fiz direção de estúdio em um maravilhoso LP, cujo repertório continha no mínimo três hits: ‘Casa no Campo’, ‘Atrás da Porta’ e ‘Águas de Março’. Convivi com ela durante mais de um mês, tempo que levava para produzir um LP na época. Afora alguns equívocos históricos e conceituais de roteiro, o filme é perfeito”.
Então, meu caro leitor, todas as premissas vão te levar a assistir ao filme: se você é fã, se viveu a época, se não sabe de nada, se é curioso, cinéfilo, hater, raiz ou nutella…não importa. Coloque sua “velha roupa colorida”, faça umas pipocas e saiba um pouco sobre “essa mulher”.