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ZZ Top: Como a banda simples e caipira se tornou uma máquina de vender discos

21 de janeiro de 2016, por Skinny Jim
Música

“Essa é a nossa grande chance! Vamos tocar tão bem que as pessoas irão esquecer que a onda glitter aconteceu”. Quem disse isso foi o baixista Dusty Hill, numa entrevista para a Revista Rolling Stone americana, em 1974. Dusty e seus comparsas estavam animados, pois pela primeira vez o ZZ Top iria excursionar como banda principal e lançava um álbum que levava o som da banda além das fronteiras do Sul e do Texas. Tres Hombres, terceiro registro do grupo, foi lançado em 1973, e, a partir de então, o trio texano passou a ser respeitado por toda a América. Como o ZZ Top deixou de ser uma simples banda caipira para se tornar uma máquina de vender discos? A resposta você encontra a seguir.

O ZZ Top nessa altura fornecia aos garotos do Sul exatamente o que eles queriam ouvir, uma espécie de boogie destemido, daquele tipo que faz você (por puro tesão) ter vontade de atirar uma garrafa contra a tela de arame que protege o grupo, uma característica típica dos palcos mais imundos das juke joints sulistas, nessa época o autêntico lar do trio. Com tanta repercussão local a coisa toda começou a subir e chegar também ao norte dos EUA, em cidades como Chicago, Detroit e Nova Iorque.

ZZ Top

ZZ Top (Foto: Reprodução)

Segundo a matéria da Rolling Stone, de junho de 1974, eles já eram a banda mais popular da Dixieland desde os Allman Brothers, tudo isso graças ao lançamento de um compacto chamado “La Grange” e a um mega concerto num estádio em Houston, onde encabeçaram um festival com nomes como Savoy Brown, Wishbone Ash e Doobie Brothers. Em Atlanta, as últimas três aparições do grupo tinham sido realizadas em arenas com ingressos esgotados, e em New Orleans, o promotor local garantiu que teria lotado o mesmo galpão onde a banda se apresentou por pelo menos mais cinco noites consecutivas, caso tivesse arriscado.

Referindo-se à onda glitter/glam que assolou o mundo no início dos anos 70, Dusty Hill costumava confessar que o máximo que tinha se aproximado dessa estética foi quando tocava no grupo American Blues, antes do ZZ Top existir: “Achamos de bom gosto pintar o nosso cabelo todo de azul naquela época áurea da psicodelia. Claro que não funcionou, e com aquele cabelo, o que a gente mais arrumava era briga e confusão”.

ZZ Top e Keith Richards

ZZ Top e Keith Richards (Foto: Reprodução)

A influência dos Rollings Stones

Deixando um pouco isso de lado, o ZZ Top começou a trilhar o caminho do sucesso bem cedo, mas um sucesso bem estruturado, não aquele que acontece do dia para a noite e pega todo mundo de surpresa. A primeira fagulha desse sucesso veio com o contrato da London Records: “Desde sempre eu costumava ouvir os discos dos Rolling Stones e meu sonho era que a minha própria banda também lançasse seus álbuns por aquela estampa”, disse Billy Gibbons numa certa ocasião.

Logo, ZZ Top lançava sua estreia em 1971, sob o apropriado nome de First Album. Depois de muitos shows pelo Sul, em 1972, pintou outro grande trabalho, Rio Grande Mud, mas tudo se limitava a um modesto sucesso local. Para o restante do país, eles não passavam de um “Southern Grand Funk”, como as revistas especializadas da época diziam.

1973 foi o ano da virada para os caipiras. “Apesar de desovar dois incríveis albinos do rock e blues e a primeira dama do boogie, o Texas está se tornando um baita de um lugar para você sair por aí dizendo que sua banda é de lá. O rock sulista está pegando tão rápido como um gole de licor de batata chegando ao seu cérebro”. Foi assim que o jornalista Steve Apple começou sua resenha de Tres Hombres na Rolling Stone de 13 de setembro de 1973.

Mais adiante em seu texto ele resume a pegada da banda naquela altura dos acontecimentos: “Esses caras eram cowboys psicodélicos que agora não escondem mais o prazer de cuspir cerveja e sair dirigindo seus carros e suas motos a muitas milhas por hora. Eles parecem ser o power trio mais inventivo da atualidade e são apenas umas das muitas bandas competentes que emergiram do Sul recentemente”.

A sorte grande de Billy Gibbons, Dusty Hill e Frank Beard começou a dar as caras na virada de 1972 para 1973. Tudo começou quando os Stones aceitaram fazer três concertos no Havaí, um numa noite de sexta-feira e outros dois num sábado, sendo um deles uma matinê. Quando esses shows foram anunciados, simplesmente todas as bandas do planeta ficaram atiçadas, pois abrir tais apresentações seria então o melhor cartão de visita para um grupo aspirante. É aí que entra a palavra de Mick Jagger, que havia ouvido e apreciado o primeiro disco do ZZ Top (First Album).

ZZ Top 1972

ZZ Top 1972 (Foto: Reprodução)

Bastou para Bill Ham receber o convite via telefone e na sequência comunicar os rapazes, avisando-os que era só pegar o protetor solar, a sunga, os instrumentos e partir para Honolulu. Detalhe: sunga e protetor eles não levaram, mas sim botas, chapéus e ternos de cowboy.

Como relembrou Billy Gibbons: “Lembro de subir no palco com a minha tradicional roupa de cowboy e alguém da primeira fileira gritar: ‘Meu Deus, eles são uma banda country!’ Claro que esse nosso estilo estava muito longe de ser moda ou cool naqueles tempos, então, a gente sabia desde o início que teríamos que fazer com que as pessoas abandonassem esse preconceito, e resolvemos fazer isso através de nossa música e performance. Sim, parecia que a gente havia caído de algum vagão de carga de um trem, mas estávamos ali para entreter”.

Apesar da excitação dos jovens texanos, o baixista Dusty Hill tinha algumas reservas a respeito dessas gigs pelo Havaí: “Um pouco antes disso, quem estava abrindo os shows dos Stones pelo país era Stevie Wonder, e a gente ficou sabendo que numa noite ele chegou a ser vaiado pelos fãs dos Stones. Então eu estava me cagando de medo… Pra piorar as coisas, quando entramos no palco com nossas tradicionais roupas de cowboy, o silêncio foi mortal. Era possível ouvir uma gota caindo no chão…”.

Apesar da pressão, os shows ocorreram da melhor forma possível, com a banda sendo ovacionada e obrigada a voltar para uma encore nas três apresentações, além de contar com o luxo de ter os Stones assistindo a cada apresentação ali da parte lateral do palco. As publicações da época noticiaram o fato e essa repercussão foi o primeiro grande passo do ZZ Top rumo ao estrelato. Além disso tudo, a banda ainda arrumou tempo para curtir um tempo livre com seus ídolos: “Tenho ótimas lembranças desses shows, como encontrar com Charlie Watts no bar e passar o restante da noite batendo papo com ele”, recordou Hill. Gibbons também sempre se empolga ao falar do assunto: “Passamos alguns dias curtindo com eles no Havaí… Fomos à praia e bebemos bastante juntos. Keith estava vivendo a todo o gás seu rock n’ roll lifestyle…”.

O disco Tres Hombres

Tres Hombres foi gravado no Robin Hood Brian Studio, no Texas, assim como os dois primeiros discos do grupo. No entanto, para a mixagem, o trio resolveu ir além, partindo para trabalhar no conceituado Ardent Studio, localizado em Memphis. Isso bastou para colocar o ZZ Top num outro patamar em termos fonográficos, já que Memphis é um dos berços da música norte-americana, cidade de Elvis Presley, B.B. King, Howlin’ Wolf, Jerry Lee Lewis e Otis Redding, entre outros. Além do Ardent, a cidade contava também com o Sun Studio, de Sam Phillips, e a Stax; o que levava a crer que aquele era mesmo “o” local para se finalizar um álbum.

O ZZ Top tomou simpatia pela cidade quando foi escalado para se apresentar num festival local de blues. O promotor do evento havia ouvido os dois primeiros álbuns e teve certeza que o grupo era formado por músicos negros. Esse mal entendido fez com que o conjunto fosse o único formado por brancos a se apresentar no cast do evento… Mesmo assim, tudo correu perfeitamente bem e novamente a banda foi ovacionada.

Após o final de sua apresentação, músicos locais vieram conversar com os texanos, elogiando seu show e principalmente seus álbuns. No meio do papo alguém soltou: “Por que vocês não vem gravar aqui em Memphis?”. A banda havia acabado de gravar Tres Hombres no Texas e Billy explicou isso ao local, que retrucou: “Já que o disco está gravado, você considerou o fato de pelo menos vir mixá-lo aqui? Nós temos um estúdio chamado Ardent, que conta com um staff muito talentoso em termos de engenharia de som. Só pra você ter uma ideia, o Led Zeppelin andou gravando por lá”.

Bastou para a banda iniciar uma verdadeira paixão pela música de Memphis e também pelo Ardent, já que foi ali que gravaram pelos próximos 20 anos de suas carreiras, geralmente contando com os talentos do engenheiro de som Terry Manning, que trabalhava também com o Zeppelin. Esse “tapa” final realizado no Ardent, somado às gravações em casa, fez de Tres Hombres talvez o álbum preferido entre nove de cada dez fãs da banda: “Tres Hombres foi o nosso primeiro disco de platina e continua imponente até hoje. Foi o disco que nos apresentou ao mundo e continua o favorito entre os fãs e até mesmo entre a gente.

Billy Gibbons

Billy Gibbons (Foto: Reprodução)

Uma das razões desse fenômeno é o fato desse álbum conter o nosso primeiro hit, ‘La Grange’”, admite Gibbons. “La Grange”, um dos mais temíveis boogies da história, teve início durante as viagens de Billy Gibbons por todo o selvagem território texano durante seus primeiros dias de ZZ Top e até mesmo de Moving Sidewalks e The Coachmen, suas antigas bandas. Billy parava em todo buraco beira de estrada: bares, restaurantes e bordéis. “La Grange” nada mais era do que um desses bordéis, cujo verdadeiro nome era “Gracie’s Chicken Farm”, anos depois imortalizado inclusive no filme The Best Little Whorehouse In Texas, com Dolly Parton e Burt Reynolds.

Billy Gibbons gravou “La Grange” com duas de suas guitarras favoritas, sua famosa “Pearly Gates” (uma Les Paul) e uma Stratocaster de 1955, plugadas num Marshall de 100 watts. O rock estava entrando na era dos overdubs, então isso deu a possibilidade de Gibbons trabalhar um de seus mais pessoais temas com duas de suas guitarras favoritas. O segundo solo de “La Grange”, inclusive, entrou para a história por ser o primeiro do grupo a trazer os tradicionais “harmônicos” de Gibbons, uma técnica que consiste em tocar as cordas com os dedos junto da palhetada, que se tornou a marca registrada do guitarrista através dos anos.

Com “La Grange” escalando rapidamente as paradas, boatos começaram a pintar por todo lado… O principal deles dava conta que o Canned Heat estaria movendo um processo contra o ZZ Top, tudo porque “La Grange” tinha exatamente o mesmo riff de “Fried Hockey Boogie”. Segundo os texanos, isso não passava de besteira, já que os Stones haviam gravado o mesmo riff em “Shake Your Hips” (um original de Slim Harpo), então, o Canned Heat estava de gaiato na história.

Tres Hombres possui um repertório arrasador, certamente uma rígida estrutura de canções para qualquer show de respeito do trio. A abertura acontece com uma dobradinha arrepiante: “Waitin’ For The Bus” e “Jesus Just Left Chicago”, que até hoje o grupo sequer ousa em apresentá-las separadamente. “Beer Drinkers & Hellraisers” é hino do rock sulista e chegou até a ser coverizada pelo Motorhead e por Van Halen.

Na caliente “Shiek”, o ácido, que Gibbons tomava em seus anos psicodélicos pré-ZZ Top, volta a bater em forma de wah wah’s envolventes, com ele, inclusive, citando o Rio de Janeiro na letra. Slides flamejantes também acontecem em “Master Of Sparks”. “Hot, Blue and Righteous” é uma das melhores baladas do trio, que certamente influenciou outra excelente balada, “Purple Rain”, de Prince. “Move Me On Down The Line” e “Have You Heard?” são também excelentes temas que completam esse impecável álbum.

A banda do povo

zz top

A banda do povo (Foto: Reprodução)

Com o nome do grupo sendo comentado por todo canto, o trio não tinha outra alternativa a não excursionar de forma selvagem por todo o sul dos EUA, e também pelo norte e leste, dormindo em ônibus ou até mesmo no chão das casas de amigos pelo itinerário. O importante era se apresentar, onde quer que fosse. Numa cidade minúscula no interior do estado de Michigan, por exemplo, eles tiveram três dias de folga, no entanto, o local contava apenas com um único cinema; a vida noturna era zero. Dusty Hill chegou a perguntar para alguém na rua o que havia de interessante para se fazer na cidade e o sujeito respondeu: “Nada de interessante… Apenas o ZZ Top, que se apresenta por aqui daqui há dois dias!”

Em algumas ocasiões, a banda abria para grandes nomes como Uriah Heep, Alice Cooper e Mott The Hoople; em outras, se metiam em completas roubadas, como a que aconteceu na remota Lubbock, interior do Texas. A banda se hospedou numa espelunca em frente ao local do show. O equipamento não chegou a tempo, então, o show teve que ser cancelado. Sem grana para pagar o hotel, o jeito foi fugir pela janela! Mesmo com uma canção nas paradas de sucesso, a banda ainda passava por esse tipo de situação, coisas do rock n’ roll.

A proposta do empresário Bill Ham era fazer do ZZ Top uma banda popular, tocando para o povo a preços extremamente atraentes, segundo o próprio: “É mais difícil desta forma, e leva mais tempo também, porém, quando um grupo adquire a fama de ser um representante do povo, essas pessoas nunca mais te abandonarão”. Ham, inclusive, fez depois uma declaração na Revista Rolling Stone, usando um discurso muito similar ao mesmo usado pelo, então, presidente Jimmy Carter em seu discurso presidencial: “Esse será o ano em que daremos a música deste país de volta às pessoas deste país”.

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

Essa atitude de Ham mostrou resultado nas vendas de Tres Hombres, mais especificamente no formato dessas vendas, já que a gravadora London comunicou à imprensa que as vendas do disco mais recente do ZZ Top aconteciam em sua maioria em fitas K7 e cartuchos de oito pistas. “O maior elogio que eu recebi em minha vida aconteceu na Carolina do Sul, quando um sujeito chegou dizendo: ‘Hey cara, eu curti pacas a sua fita! Eu e a minha garota nos divertimos pra valer no banco de trás do nosso carro com a sua fita!’. Ele não disse ‘disco’ ou ‘LP’, ele disse ‘fita’. Para mim é uma grande honra dizer que o ZZ Top é uma banda de fitas… É demais chegar em cada praia e ouvir o nosso som vindo dos carros e dos trailers, a gente é uma banda para se ouvir na estrada”, relatou Gibbons ainda em 1974.

Essa reputação com o povo fez com que o ZZ Top fosse praticamente execrado pela crítica nos anos 70. Algo que certamente mudou na década seguinte, quando as guitarras sintetizadas tomaram conta do som do grupo e eles viraram queridinhos da MTV e dos yuppies. Em 1974, a crítica não engolia o grupo, nem mesmo caras como Lester Bangs. Isso levou a banda a ter uma atitude de “não ter tempo para atender a imprensa”; se os jornalistas não curtiram o disco e muito menos o show, não era pessoalmente que o grupo iria virar a mesa.

Depois de um tempo, eles cederam e passaram a atender jornalistas, porém com um aviso: “Nós não acreditamos em gravadores de fitas, então a entrevista não poderá ser gravada”. O grupo não queria ser mal interpretado nas transcrições dos jornalistas, no entanto, se o grupo sofria com as interpretações de certos repórteres que usavam fitas pré-gravadas, o que dizer de algo que o jornalista teria que passar para o papel baseado na memória de um papo que tinha tido com a banda? O Spinal Tap teria adorado essa.

ZZ Top

O figurino country (Foto: Reprodução)

O estilo caipira de ZZ Top

O figurino durante as apresentações continuava mais único do que nunca. O trio fazia questão de exaltar uma postura provinciana perante aos grandes centros comerciais do país. Subiam ao palco com “Nudie Suits”, os mesmos ternos caipiras e cafonas confeccionados pelo famoso alfaiate e usados por Gram Parsons e o pessoal dos Flying Burrito Brothes. Segundo Gibbons, “Esse visual era legal pois era bem fora de moda naquela época, até que John Travolta trouxe aquilo tudo de volta com seu filme Urban Cowboy. Tudo aquilo virou moda novamente, mas de uma maneira vulgar. Foi quando abandonamos esse visual, no final dos anos 70 e começo de 80”.

Assim, o destemido ZZ Top continuou na estrada pelo ano de 1974, o que ajudou Tres Hombres a ser um dos discos mais vendidos daquele ano nos EUA. Num gigantesco estádio de Austin, Texas, o grupo organizou o famoso “ZZ Top’s First Annual Texas-Size Rompin’ Stompin’ Barndance and Barb-B-Q”, que contou com convidados como Santana, Joe Cocker e Bad Company. As 80 mil pessoas presentes louvaram o fato do trio local ser a banda principal da noite, tocando depois desses outros nomes consagrados do rock. O “orgulho texano” estava a favor dos rapazes, como seria tradição dali por diante.

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