Um som envolvente na vitrola, com ritmos sensuais, como o jazz bop de Charlie Parker e Thelonious Monk, davam a tônica ao frenetismo dos pensamentos de um seleto grupo de pessoas que, mais do que contrários à guerra do Vietnã (1955 – 1975) e ao conservadorismo sufocante de uma sociedade americana capitalista – preocupada com a corrida armamentista, paranoica com a Guerra Fria e a sensação de insegurança do pós-guerra e preconceituosa – vivenciaram um marcante episódio para os Estados Unidos, a grande depressão de 1929.
Os anos que se seguiram foram difíceis e na década 50 o momento era de caos, porque os direitos civis eram a principal revindicação dos negros, liderados por Martin Luther King – principal nome da luta contra o racismo nos Estados Unidos e que proferiu talvez uma das mais famosas frases da história americana ao iniciar seu famoso discurso: “I have a dream”. Estes embates estouraram nos anos 60 e foram o estopim de movimentos de liberdade sexual e emancipação, como no caso dos homossexuais e das mulheres.
É neste contexto que jovens vão contra o conformismo social, questionam os conceitos de seus pais, as desigualdades e transformam suas angústias em ações de oposição e contrariam tudo que ali está exposto. A contravenção é a maneira de romper com a hipocrisia e a alienação. Esta é a geração beat, com uma efervescência peculiar de mentes inquietas, que ansiavam por descobertas e desejam mudanças.
Através de experimentações com o sexo e as drogas, os beatniks se interessavam pelo desregramento dos sentidos e possibilidades ilimitadas de serem eles mesmos, muito embora, para isso, seus comportamentos refletiam os autores que liam. “Estou fodido” (I´m beat), dizia Herbert Huncke, amigo de Jack Kerouac, jovem marinheiro e ex-jogador de rugby em Columbia e considerado o precursor da geração beat e que adotou a expressão em seus escritos, daí o nome que consagraria o movimento, a “beat generation”.
Beat, a expressão para manter os “olhos abertos”, a “percepção”; a transformação do caos, da indignação por algo novo. Uma visão que surge marginalizada aos padrões sociais e que foram no caminho oposto ao sonho americano. Junto com William Burroughs, Allen Ginsberg, Lucien Carr e depois com a chegada do famigerado Neal Cassady, esta geração viria a influenciar diretamente a contracultura.
A contracultura que, mais do que rebeldia, possuía propósitos de mudar o mundo, ideias e que originou o movimento hippie e o festival de Woodstock, o tropicalismo, os punks e toda cultura underground e por ai vai. A contracultura foi na direção oposta ao que era imposto pela política, aos modelos, a mídia e toda cultura massificante e ditadora, defendendo o anticonsumismo. Tudo passou a ser questionado, principalmente no que se refere às injustiças sociais e tendo o jovem como seu interlocutor.
Foi a geração beat que semeou uma linguagem contraventora e de uma linguagem poética que não tinha pretensões de ser intelectualizada ou de assumir papéis e funções de revolucionários. Os beatniks queriam ser e existir, tão somente. A vasta produção literária era a máxima do grupo. Uma escrita visceral e intensa, os contos são autobiográficos e relatam suas experiências pessoais.
Talvez, de todas as obras beatniks, a mais emblemática seja “On the Road”, de Jack Kerouac, que foi o criador do estilo “mochileiro”, que inspirou a nova playlist do Universo Retrô: Pé na Estrada. Disponível no Spotify, a lista traz sucessos do folk, rock e country americano dos anos 60 e 70, de músicos que embalaram a geração beat, como Bob Dylan e The Beatles. Ouça abaixo:
Voltando ao livro “On The Road”; ele conta a história de dois amigos, Sal Paradise (Jack Kerouac) e Dean Moriarty (Neal Cassady), que cruzam os Estados Unidos na Rota 66, com descidas constantes ao México e, por fim, chegam a cidade de São Francisco, protagonizando verdadeiras aventuras. Histórias regadas de muito álcool, sexo e liberdade.
O livro foi escrito em apenas três semanas e uma série de grandes folhas de papel manteiga e, depois coladas com fita, tudo isso para não ter de trocar de folha a todo o momento, tamanha era sua inquietude literária. Em 2012, o livro virou filme pelas mãos do diretor brasileiro Walter Salles e conta no elenco com as participações de Kristen Stewart (Crepúsculo), Alice Braga (Eu sou a lenda), Kirsten Dunst (Homem-Aranha) e Viggo Mortensen (O Senhor dos anéis). Assista ao trailer, abaixo:
Outras obras e que também foram expoentes do movimento beat são o profético “Howl” (O uivo e outros poemas) e que beatificou Allen Ginsberg como o grande poeta de sua geração. Homossexual, judeu, drogado e acima de tudo, um visionário, Ginsberg uiva e grita contra o preconceito sexual e racial, a barbárie da guerra, a escravidão materialista e à repressão, buscando catalizar toda sua energia na liberdade de expressão.
“Kill Your Darlings” é um filme que conta a história de como se aproximaram os poetas beats, entre eles, Ginsberg, interpretada por Daniel Radcliffe. No Brasil, o longa foi apresentado no Festival do Rio em 2013, com o título “Versos de um Crime”. Já o livro “Naked Lunch” foi um verdadeiro açoite na sociedade, ressaltando uma atmosfera cruel e agressiva. Sem crivos, o leitor é apresentado a uma vida “junkie” na qual entorpece e contamina a leitura.
William S. Burroughs, que se livrou das drogas aos 45 anos, transita entre sua loucura de delírios e alucinações por conta do uso de entorpecentes, uma violência na descrição das cenas e principalmente às severas críticas políticas. Adaptado pelo cineasta David Cronemberg, a obra foi inspiração para o filme “Mistérios e Paixões”, em 1991.
Não teríamos conhecimentos dos autores beats se não fosse a coragem de enfrentar a censura do editor Lawrence Ferlinghetti, responsável por publicar os livros através da editora City Lights. Ainda vivo, aos 98 anos, Ferlinghetti é o maior expoente vivo desta geração. A geração beat ficou conhecida quando, em 1952, John Clellon Holmes, novelista e amigo de Kerouac, publicou um romance sobre a Geração Beat, entitulado, “Go” e com um manifesto no jornal The New York Times: “This Is the Beat Generation”.
A turma era grande e não se resume a estes citados até então. Gary Snyder, Carl Solomon, Barbara Guest, Denise Levertov, Frank O’Hara, John Ashbery e Keneth Patchen, são alguns outros nomes. Gregory Corso, o quarto integrante dos poetas beats e pouco lembrado quando se fala na geração beat possuía poemas intensos e arrebatadores, tanto quanto os outros mais conhecidos.
Somente mentes ávidas e idealistas, pessoas que não tinham nenhuma vaidade e que para revolucionar diziam e mostravam realmente suas ideias, sem se esconder, se omitir ou invadir o espaço alheio. O que os beatniks invadiam eram as mentes insatisfeitas, que assim como a deles adotavam um movimento que parecia uma grande onda gigante que passava por cima da hipocrisia, do preconceito e das injustiças.
Como toda manifestação popular, as intenções, comportamentos transgressores e suas concepções de vida podem até ser questionadas, mas a contracultura e muitas outras manifestações sociais se ergueram diante da coragem, do brilhantismo e a audácia destes jovens que nunca almejaram fama. Não queriam criar seitas, tampouco doutrinar ninguém ou convencer. Deram seu recado e mostraram que manifestações se constroem através de ideologias.
Breno, creio q a CONTRACULTURA sempre existiu e no tempo dele, Freud foi um precursor. Caso ele e se fosse da geração nascida a partir de 1940 fatalmente seria um “beatnik”, embora talvez meio “bundão” porque no fundo ele era um tanto conservador. Se não, um dos amigos dele não seria o careta Jung. Apareça aqui em Manaus pra gente bater um papo e… evoé! Eduardo De Moura
Ah…Breno, me esqueci de dizer q tenho 870 anos de idade e obviamente estive em Woodstock (no 1º) e lutei no Congo Belga… claro que ainda sou roqueiro e coleciono vinil… sô! Valeu!
A vida é uma meleca!!!!Diga-se de passagem: tudo nela é ilusão. Ninguém leva nada depois que morre!!! – marcio “osbourne” silva de almeida – jlle/sc