Falar da participação feminina no cinema sempre sugere ao leitor que estamos prestes a falar da vida de atrizes, costureiras e no máximo maquiadoras que contribuíram para a história da sétima arte. Esta é uma visão pra lá de errônea, pois as mulheres estão participando ativamente desde a criação da primeira película. Muitos dos avanços e técnicas que proporcionaram o crescimento e disseminação do cinema no mundo todo vieram de mulheres e infelizmente é uma história pouco conhecida e até perdida. Eis aqui um fato curioso: para se ter uma ideia, hoje em dia, 11% dos filmes são escritos por mulheres. Antes de 1925, mais da metade dos longas eram de escritoras!
É verdade que Hollywood, indústria gigantesca e centenária, ainda consiste em um ambiente árido para a presença feminina… Mas a situação vem mudando com algumas cineastas como Sofia Coppola, Kathryn Bigelow, Jane Campion, entre outras. Mas falar destas diretoras sem conhecer aquelas que desde os primórdios, lá na era dos primeiros filmes mudos, já desafiavam o mundo dominado por homens para mostrar um mundo pelas lentes femininas, seria um terrível erro. Por isso trouxe aqui o nome de algumas diretoras da era “Pre-code” e clássica, do início do cinema, que desbravaram esse mundo com suas lentes e fizeram verdadeiras obras de arte que merecem o devido mérito.
Alice Guy Blache (1873-1968)
Assim como muitos homens, Alice entrou para a vida da sétima arte “por acidente”. Trabalhando como secretária para León Gaumont, dono da Film Company Gaumont, Guy se interessou pelo negócio de cinema, aprendendo a parte de marketing, familiarizando com clientes, estudando o maquinário e fazendo amizades com expoentes como Georges Demeny e os irmãos Lumiére.
Observando os filmes nas feiras, Alice percebeu o verdadeiro potencial do negócio. Ela acreditava que o novo maquinário tinha um potencial além da curiosidade científica e do caráter documental, poderia contar narrativas, histórias de ficção no cinema.
O primeiro filme de Alice, além de ser o primeiro creditado a uma mulher, é sem dúvida a primeira narrativa cinematográfica, La Fée aux Choux, de 1896. De 1896 a 1905, Guy foi a diretora do estúdio Gaumont lançando não só filmes, mas como novas técnicas, como uso de gravações em áudio em sincronia com as imagens e alguns efeitos especiais.
Em 1907, Alice casou-se com Hebert Blache e mudou-se para os Estados Unidos, onde fundou a Solax Company (antes mesmo das mulheres terem direito ao voto, Alice já era dona de um estúdio de cinema!). Mesmo com o fechamento da empresa em 1913, Guy continuou a dirigir filmes até 1922, quando voltou para a França com seus filhos após o divórcio. Embora tenha saído do ramo, recebeu ainda muitos prêmios pela sua grande contribuição para o cinema.
Lois Weber (1879-1939)
Uma mulher de genialidade que não se restringia a direção, mas também uma verdadeira autora com temas atemporais, como tensões sociais, hipocrisia religiosa e a situação das mulheres pobres. Weber se permitia falar e retratar assuntos e situações tabus para o período sem medo de retaliações, o que fez com maestria. Em termos de quantidade qualidade de obra, era comparado a seu contemporâneo D. W Griffith (as semelhanças param por aqui), dirigindo 115 filmes, escrevendo 114 e atuando em 100.
Sem duvida, em sua vasta produção cinematográfica, dois filmes se destacam como obras primas: Suspence (1913), um thriller que incorpora técnicas como tela dividida, uma cena através do buraco de fechadura e close-ups. E o controverso Hypocrites (1915), um drama instigante que conta com a primeira cena de nu frontal feminino da história.
Grace Cunard (1893-1967)
Em uma época em que a indústria cinematográfica incipiente levou atores e outros profissionais de estúdio de cinema a campo, para fazer várias tarefas, Cunard não foi excepção e escreveu perto de uma centena de roteiros. Também, entre 1914 e 1921, dirigiu 11 filmes e produziu dois outros.
Sua principal característica como diretora era a sua representação de heroínas, fugindo do estereótipo de donzela em perigo e apresentando heroínas guerreiras e ativas, capazes de salvar a si mesmas e a outros.
Mabel Normand (1895-1930)
Antes do mundo conhecer a genialidade de Chaplin, já havia Mabel Normand, explorando o território até então inóspito da comédia nas telonas. Foi popular como atriz no cinema de origem, mas também quis se arriscar na direção de filmes, tendo no auge de sua carreira seu próprio estúdio e companhia de produção. Na tela, ela apareceu em uma dúzia de filmes com Charlie Chaplin e em dezessete com Roscoe Arbuckle, algumas vezes escrevendo e dirigindo filmes em que Chaplin era seu parceiro.
Felizmente a história dessas notáveis ainda se encontra disponível e até alguns de seus filmes foram teimosos em resistir a ação do tempo, trazendo para nós o olhar feminino sobre dramas, comédias, com heroínas autossuficientes e histórias envolventes. Também aproveito para citar alguns dos nomes das mais incríveis roteiristas e produtoras do cinema de origem e clássico para que percebamos que, independente de ideologias ou estilos, uma mulher pode ter coragem e sobressair com um trabalho extraordinário Elynor Glyn, Anita Loos, Mary Pickford, Lillian Gish, June Mathis, Frances Marion, Mae West, Margareth Booth, Virgina Van Upp, Ida Lupino, Anna Hoffman-Uddgren, Germanine Dulac, Leni Riefenstahl