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Elza Soares: da infância pobre e abusiva a uma grande carreira no samba

21 de janeiro de 2022, por Leila Benedetti
Música
Elza Soares

O Brasil e o mundo choram pela morte de Elza Soares, que marcou este último dia 20 de janeiro. A Rainha do Samba tinha 91 anos quando morreu de causas naturais, além de uma trajetória de vida turbulenta, com muitas dificuldades e tragédias, mas também munida de glórias, especialmente na carreira profissional. 

Em sua homenagem, vamos relembrar (ou conhecer, no caso dos mais jovens) todo o seu histórico de vida, desde a sua infância humilde, passando pelas suas árduas dificuldades até os seus momentos de sucesso. 

A trajetória de Elza Soares

Antes da carreira

Elza nasceu no ano de 1930 em uma família muito pobre na favela da Moça Bonita (atual Vila do Vintém) no Rio de Janeiro. Apesar de ter que ajudar a mãe nas tarefas domésticas e a cuidar de seus dez irmãos, ela tinha um tempo para brincar na rua e viver uma infância feliz. Mas essa felicidade durou até os doze anos de idade quando sofreu uma tentativa de abuso por parte de um amigo de seu pai e foi obrigada a abandonar os estudos e casar com ele. 

A então garota sofreu muito nesse casamento arranjado. Como se não bastasse a extrema pobreza e ser vítima dos frequentes episódios de violência doméstica e sexual, ela ainda teve sete filhos, sendo dois mortos por desnutrição ainda recém-nascidos, um levado para adoção por falta de condições de criar e uma sequestrada com apenas um ano de idade, que só foi encontrada trinta anos depois. 

Pontapé inicial 

Aos 21 anos, Elza ficou viúva e passou a trabalhar de faxineira. Com uma situação financeira bem apertada, um de seus filhos com pneumonia e mantendo o sonho de cantar desde a infância, ela se inscreveu para um concurso de calouros do programa de rádio de Ary Barroso, que a chacotou quando ela chegou ao auditório com sua aparência humilde. 

Mesmo assim, a jovem não se deixou abalar e soltou a voz com a música Lama, de Paulo Marques e Aylce Chaves, ganhando a nota máxima do programa. O apresentador mudou sua visão sobre ela e disse que, naquele momento, “nasceu uma nova estrela”. Com essa vitória, ela recebeu um prêmio em dinheiro e conseguiu pagar o tratamento bem-sucedido do filho. 

Sua participação no programa não lhe rendeu oportunidades de trabalho, mas seu irmão lhe recomendou fazer um teste para trabalhar na orquestra de seu professor, no qual ela foi aprovada. Ela passou a acompanhar o grupo em festas, bailes, casamentos e eventos sociais, porém nem sempre, pois alguns clubes não aceitavam uma cantora negra no palco. 

Elza Soares
(Elza Soares cantando no rádio. | Foto: Arquivo Nacional)

Ascensão 

Em paralelo às suas apresentações com a orquestra, Elza se aventurou em mais um concurso de rádio. Mais uma vez ela venceu e acabou assinando um contrato para cantar semanalmente na emissora. Com o tempo ela apareceu na TV e realizou sua primeira turnê internacional, percorrendo a América do Sul, América do Norte e Europa. 

Além disso, ela quase conseguiu gravar um disco pela RCA Victor, porém os executivos do selo a barraram por verem que ela era negra. Mas conseguiu gravar um compacto pelo selo independente Rony com as canções Brotinho de Copacabana e Pra Que É Que Pobre Quer Dinheiro?, porém não fez muito sucesso. Sua ascensão em relação às gravações se deu mesmo quando ela foi convidada pela Odeon a gravar Se Acaso Você Chegasse, que teve uma grande repercussão nas rádios. 

Elza passou a ser aceita mais vezes por grandes selos e emissoras, além de realizar mais shows, turnês e uma apresentação no Festival da MPB de 1966. Ainda, ela se tornou altamente conhecida pela sua voz grave e levemente rouca, o que a fez conquistar muitos prêmios ao longo da carreira. Mas, mesmo assim, ela ainda sofria com o machismo e o racismo e, por conta disso, colocava esses problemas em suas músicas. 

Elza Soares
(Ela se dedicou a música após a morte do primeiro marido.| Foto: José Pinto/Estadão Conteúdo)

Casamento com Garrincha e perseguições

Em 1962, quando já tinha um certo reconhecimento na carreira musical, a cantora conheceu e iniciou um romance com o jogador Garrincha, que na época era casado. Um ano depois ele se separou e firmou namoro com Elza sem revelar nada à imprensa. Quatro anos depois eles se casaram e acabaram gerando uma revolta por parte dos fãs e da imprensa, que acusaram a moça de “destruidora de lares”.

Como se não bastasse sua carreira manchada, a ponto dos convites para fazer shows se tornarem cada vez mais raros, a cantora se viu frequentemente perseguida e ameaçada não só por fãs como também pelos militares que governavam o país na época. Por conta disso, ela e sua família mudaram de casa diversas vezes, inclusive para outros países. 

Elza e Garrincha
(A cantora teve um caso com Garrincha por um ano e se casaram quatro anos depois. | Foto: Mario Coelho Filho)

Com essa união, o casal uniu os filhos sobreviventes de Elza e, depois que a ex-esposa morreu, as seis filhas de Garrincha na mesma casa. Para completar a extensa família, nasce o caçula Garrinchinha

Outro problema que Elza teve que enfrentar em relação ao seu casamento era o vício em álcool do Garrincha, além de inúmeras agressões físicas, ciúmes doentios, traições e humilhações. Todos esses problemas deram um basta no casamento e Elza pediu a separação em 1982. 

Depressão e foco na carreira

Em 1986, Elza perdeu mais um filho – Garrinchinha, aos nove anos, morreu em um acidente de carro enquanto voltava de uma viagem. O trauma de ter perdido dois filhos anteriormente, somado a essa perda de Garrinchinha, fez com que ela caísse em uma grave depressão que a levava a tentar o suicídio e se afundar nas drogas. 

A cantora chegou a fazer tratamento com antidepressivos, mas ela abandonou tudo isso para viajar pelo mundo a trabalho e focar exclusivamente na sua carreira, fazendo muitos shows e morando em vários países até ter condições psicológicas de voltar ao Brasil quatro anos depois, quando passou a fazer terapia para conseguir lidar com a perda do filho. 

Garrinchinha
(Trecho de jornal noticiando a morte de Garrinchinha. | Foto: Arquivo/Placar)

Suas últimas décadas e morte 

Já uma senhora veterana no ramo da música, além de consagrada no cenário do samba, Elza foi premiada como Melhor Cantora do Milênio pela BBC em Londres após um concerto com Gal Costa, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre outros nomes da MPB, além de promover outros shows importantes pelo Rio de Janeiro e Londres. 

Devido a idade avançada e uma sequela vinda de uma queda de palco, a cantora passou a se apresentar sentada. Aproveitando o título de Rainha do Samba, as cadeiras usadas por ela simulavam tronos das mais variadas cores e formatos, que combinavam com seu figurino deslumbrante e ousado. 

Elza Soares
(Elza em seus últimos anos. | Foto: Divulgação)

Ao contrário do que ela temia, sua morte foi bem natural, sem traumas ou motivo de doença. Ela simplesmente começou seu dia normalmente, apesar de ter se sentido mais cansada. Gradualmente ela foi ficando mais ofegante até seus familiares acionarem seu médico e chamarem uma ambulância, porém ela não resistiu neste meio tempo. 

Sua morte gerou grande repercussão a ponto da escola de samba favorita de Elza, a Mocidade Independente de Padre Miguel, grandes nomes do samba, como Zeca Pagodinho e Alcione, e até mesmo o Lula prestarem homenagem à cantora. Ainda, a prefeitura do Rio de Janeiro decretou luto oficial por três dias pela sua morte. O corpo de Elza Soares foi velado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro com cerimônia aberta ao público. 

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