Minhas duas estrelas é um extenso depoimento do cantor Pery Ribeiro sobre a vida e a relação turbulenta de seus pais, o genial compositor e cantor Herivelto Martins e uma das maiores cantoras do Brasil, Dalva de Oliveira, personalidades definitivas da época de ouro da música popular brasileira que, durante décadas, imperaram nos palcos, nos discos e no rádio. Com a ajuda de Ana Duarte, Pery compartilha “detalhes quase inconfessáveis” – como repara Ruy Castro no prefácio – sobre a vida e a obra de Dalva e Herivelto.
Nascido em 1937, na pobreza de um cortiço, Pery, filho mais velho do casal, descreve a trajetória de suas duas estrelas, da ascensão à glória até a traumática separação do casal. Mesclando o decorrer de sua vida com a transformação da de seus pais, Pery fala sobre os seus primeiros trabalhos para ganhar a vida, o início da carreira como cantor, a sua visão crítica sobre a união de Herivelto e Lurdes, a terceira mulher de seu pai, e o alcoolismo e os casamentos desfeitos de Dalva.
Herivelto Martins foi responsável por vários feitos que mudaram definitivamente o rumo da música no Brasil, como a introdução do apito na escola de samba e a batalha pela regulamentação do direito autoral no Brasil. Criador de pérolas do nosso cancioneiro como Ave-Maria no morro e Segredo, ao lado de Dorival Caymmi, foi um dos primeiros compositores brasileiros a gravar sua própria obra.
Com uma capacidade natural de liderança, sendo um crítico cruel e um homem de “temperamento e gênio irascível”, Herivelto mantinha um relacionamento pouco afetivo com os filhos, revela Pery. Se na família era rigoroso com a seriedade das obrigações e deveres, com os amigos deixava aflorar a alegria, o companheirismo e a compreensão. Foi com a mãe que Pery desenvolveu uma “cumplicidade e uma amizade maior”.
A sensibilidade, a generosidade, o carisma e o brilhantismo da cantora Dalva de Oliveira são qualidades sempre destacadas pelo autor. Não foram somente a boa voz e a técnica vocal primorosa que colocaram Dalva no patamar mais alto das cantoras brasileiras. O filho a define como aquela que “cantava com soltura e liberdade de estar consigo mesma, sem medo ou vergonha de demonstrar sua emoção”.
A união de Dalva com Herivelto e Nilo Chagas (a Dupla Preto e Branco), fez surgir o trio mais famoso da história do rádio: o Trio de Ouro. Não são poucas as histórias de briga entre Dalva e Herivelto durante o percurso de sucesso do trio. Dalva brilhou ainda mais depois de sua saída do grupo e do traumático desquite com Herivelto. Segundo Pery, este sucesso deixou o autor de Senhor do Bonfim desnorteado. Em 1951, Dalva foi eleita Rainha do Rádio e “entrou definitivamente para a história da música popular brasileira”, afirma.
É deflagrada então uma briga musical inédita nos meios de comunicação do Brasil. De um lado, sambas polêmicos como Caminho certo e Teu exemplo serviram de “artilharia pesada” de Herivelto e seu parceiro, o jornalista David Nasser. Do outro lado, Dalva, amparada pelos compositores que a adoravam, respondia à altura com Errei sim, de Ataulfo Alves, e Calúnia, de Marino Pinto e Paulo Soledade. Essas e outras letras ilustram a narrativa.
Mesmo sendo absolutamente desmoralizada, não só nas músicas, mas também no jornal Diário da Noite, com artigos ditados por Herivelto e escritos por David Nasser, a intérprete conseguiu conduzir sua carreira de forma majestosa. Em 1952, viajou para Londres e gravou um disco com o pianista inglês Roberto Ingles. Seguiu em excursão para Lisboa, Madri e Barcelona. Vendeu muitos discos pela Odeon, no auge da polêmica musical. Fez sucesso em países como Argentina, Uruguai e Chile.
A riqueza das memórias de Pery foram a base para a dramaturga Maria Adelaide Amaral escrever a minissérie “Dalva e Herivelto – Uma canção de amor”, veiculada pela Rede Globo em 2010.