O Dia Internacional do Jazz, celebrado dia 30 de abril, é tema do Pin-Up do Mês, ilustrado pela cantora Lucille Berce, que encarna as antigas divas do jazz em um ensaio Old Hollywood.
A temática, que já faz parte do seu estilo de vida, foi clicada no Cabaret da Cecília – casa noturna inspirada nos cabarés parisienses com coquetéis finos e apresentações sensuais localizada em São Paulo, pela fotógrafa Louise Berce.
Ne entrevista, Lucille fala da sua relação com o jazz, como o estilo entrou na sua vida e se mantém até hoje, além da sua relação com arte e cultura vintage.
Veja e entrevista com a Pin-Up do Mês Lucille Berce:
Universo Retrô – Seu relacionamento com a cultura vintage começou primeiro com a moda ou com a música?
Lucille Berce – Um pouco dos dois juntos! Minha avó era costureira (sua mãe e irmã também) e viveu a adolescência nos anos 50, então desde criança eu tive contato com peças de época que perteceram à ela, registros em fotografia dos belos vestidos que elas faziam etc.
Também veio dela grande parte das minhas referências musicais, pois era uma grande apreciadora de música. Então quando eu passava as tardes na casa dela, podia ter contato com tudo isso e mais tarde eu iria encontrar na relação entre moda e música, as minhas próprias inspirações, que serviriam para a criação do conceito da minha persona artística atual.
Universo Retrô – Com tantos estilos musicais, porque o jazz mais te atraiu?
Lucille Berce – Minha história com o jazz é no mínimo curiosa. No período dos 11 aos 15 anos eu escutava muito rock (e até hoje escuto e gosto muito). Inclusive a primeira vez que subi num palco com uma banda, foi num projeto de rock. E eu me sentia muito bem trabalhando com isso profissionalmente, afinal é um estilo que eu curto escutar, mas não tinha certeza se era aquilo mesmo que me inspirava, se aquela era a “minha voz”.
Numa das viagens à trabalho, tive um inesperado encontro com um senhorzinho cego, já de cabelos brancos, dentro de um ônibus na estrada de volta para minha cidade. Meu violão caiu no colo dele e ele prontamente puxou assuntos de música. Ao perguntar meu nome (que coincidentemente é o nome da guitarra do BB King) ele me questionou se eu gostava de blues ou jazz. E a verdade é que eu nunca tinha dado muita atenção.
Durante a viagem ele foi me falando alguns grandes nomes dos estilos e me atiçando a curiosidade. Assim que eu cheguei em casa, pesquisei pela primeira que lembrei, Ella Fitzgerald, e ao escutá-la cantando Stella By Starlight, senti meu corpo inteiro arrepiar e caí em prantos.
Naquele momento eu só pensava o quanto eu queria cantar aquele som. Com aquela emoção, com aquela força que me arrepiou inteira. Poucos meses depois eu saí da banda de rock e comecei a estudar e escutar jazz em casa mesmo.
Ah, andei perguntando algumas vezes pelo senhorzinho do ônibus (cujo nome nunca me recordei em mais de 8 anos do episódio) falando suas características, pois ele havia me dito que pegava aquele ônibus com frequência e minha cidade não é tão grande, então seria mais fácil encontrar… porém ninguém nunca tinha ouvido falar nele… sinistro ?
Universo Retrô – Quais são as suas divas do jazz preferidas?
Lucille Berce – Dentre tantas, minha preferida é a Sarah Vaughan, seguida por Ella Fitzgerald, Carmen McRae, Billie Holiday, Lena Horne e Julie London.
Universo Retrô – Quais artistas você recomendaria para quem quer começar a ouvir esse estilo?
Lucille Berce – Bom, existem várias vertentes dentro do jazz, além do fato de ele também ser bem atual, os artistas modernos que acompanho têm lançado trabalhos incríveis. Porém, falando de clássicos e da parte mais tradicional, acho que pode-se começar dando uma chance à belíssima interpretação de standards da Ella ou da Sarah, ou, falando de instrumental, os consagrados discos de Coltrane, Bill Evans, Miles e Duke Ellington.
Universo Retrô – Você é do Maranhão e agora vive em São Paulo. Como foi essa migração de mercado musical?
Lucille Berce – Antes de vir pra São Paulo, tive uma oportunidade de trabalho em Curitiba, onde morei por mais de dois anos. Não foi fácil deixar minha família em busca do crescimento profissional, mas essa experiência me trouxe grandes ensinamentos.
Acredito que tenha feito a escolha certa, por hoje olhar pra mim mesma e ver a evolução musicalmente. O contato e a vivência que tive tanto aqui quanto em Curitiba foram essenciais para minha formação musical.
Universo Retrô Você sentiu algum peso da diferença cultural entre essas cidades?
Lucille Berce – Acho que senti mais morando no Sul. Aqui em São Paulo conheci mais gente que veio de outros estados, existe mais um mix de culturas.
Universo Retrô – Você sempre usou o Instagram para compartilhar suas músicas e também seus gosto pela estética pin-up, mas ultimamente tem estado mais reservada. Você acredita que a rede tem ajudado ou atrapalhado na divulgação do seu trabalho?
Lucille Berce – Sim, ajuda bastante! Ter uma rede de contatos que se interessa e rapidamente repassa e interage com o conteúdo é algo bem legal para o artista. É uma ferramenta muito importante e especialmente neste período de pandemia em que o contato com as pessoas acaba sendo por esses meios quase que exclusivamente.
Eu estive mais reclusa nos últimos meses por conta da minha saúde mental. Tenho lidado com ansiedade por pelo menos 10 anos e ultimamente vivi o pior momento disso. Existe o lado positivo das redes sociais mas também existe meio que uma pressão em estar sempre ativo, sempre produtivo e isso acabou me afetando de maneira não muito boa, afinal, sem poder estar nos palcos, eu sentia quase que uma obrigação de estar entregando algum conteúdo mesmo que eu não estivesse bem ou inspirada.
Universo Retrô – Como a pandemia afetou seu trabalho e o que você tem feito para lidar com isso?
Lucille Berce – Eu trabalho em ambientes que sempre recebem muitas pessoas o tempo todo. Trabalho diretamente com pessoas. Então a pandemia afetou diretamente, pois não seria mais possível os shows presenciais.
Ao longo dos meses fiz (e tenho feito ainda algumas vezes) lives pra matar a saudade de repertório e das pessoas que curtem, mas a gente sabe que não é o suficiente ainda. Acabei então me adaptando para fazer algumas gravações e collabs em casa e creio que vai permanecer assim por algum tempo, por ser o jeito mais seguro.
Universo Retrô – O desenho é uma outra habilidade que você tem. Você é mesmo próxima do universo das artes, né? Tem alguma outra relação além de desenho, moda, música e fotografia que a gente não saiba?
Lucille Berce – Eu sempre gosto de lembrar de uma frase do poeta Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. Eu sinceramente não sei o que seria sem tudo isso, música, tinta, papéis.
Durante a pandemia me reaproximei das tintas, aliás, pinto aquarelas há algum tempo e havia parado de praticar. Mas, além disso tudo, eu também amo poesia. Amo escrever, embora não compartilhe muito esse lado, talvez por autocrítica. Mas dentro de mim, tudo vira poesia.
Universo Retrô – Por fim, qual seu recado para quem deseja se aprofundar no universo do jazz?
Lucille Berce – Escute muito. Mas não só com os ouvidos. Com o coração aberto. Cada artista, cada músico coloca um pouco de si na sua interpretação. São capazes de plantar no ouvinte os mais profundos sentimentos, desde amor até muita tristeza, através da música. O jazz dá a liberdade de criar inúmeros cenários dentro de uma música, ao menos é assim que eu me sinto, tanto ouvindo quanto cantando.
Ouça no Spotify Era do Jazz:
Ficha Técnica
Modelo: Lucille Berce
Fotografia: Louise Berce
Locação: Cabaret da Cecília