O ano era 1967, o Brasil estava em uma Ditadura Militar, um regime nacionalista, mas, culturalmente, aberto ao que vinha de fora, como as músicas. Ainda, como se não bastasse o rock’n roll americano cravado no país desde os anos 50, a invasão britânica também se tornava febre.
Com isso, nomes consagrados da MPB, que também fazia sucesso, passaram a se preocupar com o rumo da música brasileira. Principalmente Elis Regina, que convocou Jair Rodrigues, Gilberto Gil, entre outros colegas, e promoveu a Marcha contra a Guitarra Elétrica em São Paulo, que saía do Largo de São Francisco e ia até o Teatro Paramount.
A escolha do destino foi porque o Teatro era usado pela TV Record para as gravações de seus programas musicais, entre eles o Jovem Guarda e o Fino da Bossa, no qual a cantora apresentava ao lado de Jair. Enquanto o programa Jovem Guarda subia em audiência, o Fino da Bossa caía. A preocupação de Elis começou aí, não devido ao ibope, mas pelo conteúdo que o jovem brasileiro consumia, ainda mais em época de repressão militar.
A Jovem Guarda era bem criticada nos anos 60 pelas suas músicas extremamente comerciais e consideradas alienadas. “De volta ao Brasil, eu esperava encontrar o samba mais forte do que nunca. O que vi foi essa submúsica, essa barulheira que chamam de iê-iê-iê, […] Veja as músicas que eles cantam, a maioria tem pouquíssimas notas e isso as torna fáceis de cantar e guardar. As letras falam de baile, palavras bonitinhas para o ouvido, coisas fúteis. Qualquer pessoa que se disponha pode fazer música assim, comentando a última briguinha com o namorado”, desabafa Elis em uma entrevista.
A posição da Jovem Guarda em relação a Marcha contra a Guitarra Elétrica
A Marcha contra a Guitarra Elétrica fez com que a mídia também criticasse negativamente o rock nacional. DJs e críticos musicais começaram a usar termos pejorativos ao mencionarem a Jovem Guarda, o que acabou irritando os adeptos. Erasmo Carlos esbravejou: “Em primeiro lugar, se a bossa nova continuar esnobe e tão afastada do povo, vai pifar. Eles são sistematicamente contra nós, mas deviam era atiçar fogo numa panelinha que já está esfriando. Como é que têm coragem de nos acusar de cantar versões e músicas estrangeiras, se eles enfiaram o jazz na sua musiquinha nacional?”.
Wanderléa também entrou na briga e, em um artigo para a revista Intervalo, mostrou que tinha muita personalidade: “Os jovens têm energia a despender, como querem que a gaste? Talvez, como antigamente, voltando de noitadas alegres e atirando tijolos em vidraças para se obrigarem a correr. Nós gastamos nossa energia, hoje, de modo muito mais racional e humano, sem destruir coisa alguma – cantamos e dançamos”.
Unido os rivais e resolvendo as coisas
Para acabar com a briga, a TV Record criou mais um programa musical, o Frente Ampla da MPB, que reunia artistas de todos os gêneros musicais, incluindo Elis Regina e Jair Rodrigues. Além disso, havia nomes da bossa nova e MPB que discordavam dessa repulsa da cantora com a Jovem Guarda, como Caetano Veloso (que via a passeata como uma atitude fascista), Nara Leão e até mesmo Gilberto Gil, que confessou ter ido para a Marcha contra a Guitarra Elétrica meio a contragosto.
Foi aí que surgiu a Tropicália, que unia o rock e toda a extravagância da Jovem Guarda com as letras de protesto e algumas batidas da MPB, mas adicionando a psicodelia da época. Aliás, podemos perceber os riffs de guitarras elétricas distorcidas em músicas como Alegria Alegria, na qual Caetano gravou sob o acompanhamento dos roqueiros argentinos Beat Boys, e Domingo no Parque, no qual Gilberto Gil cantou ao lado dos Mutantes.
O tropicalismo foi aplaudido pela Jovem Guarda, que se desfez em 1968 quando Roberto Carlos saiu do programa homônimo da TV Record e deixou de cantar rock para dar lugar às músicas mais românticas. Mais à frente, Elis Regina gravou canções de Roberto e Erasmo, se redimindo de seu “ativismo pela música brasileira”.