Depois de começar sua carreira com a banda Venus Wave e se estabelecer como integrante da Os Sabiás, Julia Benford agora se aventura pela primeira vez em um projeto solo, que é o Naked as My Soul. A música, que mistura elementos do folk dos anos 70 com o pop/rock contemporâneo, tem como tema as crises nos relacionamentos amorosos e todo aquele jogo competitivo que costuma aparecer entre o casal. Já lançado no Spotify ao lado de outro single da cantora, Estrelas, este também recebeu videoclipe e ganhará um EP homônimo com mais outras faixas.
Buscando saber mais sobre o clipe, nós do UR chamamos Julia para um papo prazeroso, onde ela nos detalhou sobre suas referências, processo de criação e momentos divertidos, bem como desafiadores, que rolaram nos bastidores. Além disso, ela também avisou que no dia 28 de junho vai ter show de lançamento do aguardado EP no Drosophyla, em São Paulo. Então, save the date!
Confira o bate-papo entre nós do UR e Julia Benford!
UR – Primeiramente, conte-nos como você começou sua carreira na música e o que(m) te inspirou a segui-la.
JB – Eu comecei a carreira na música quando era adolescente, eu tinha ali meus 15, 16 anos, com banda de garagem, ainda na escola. Ia muito em shows, então chegava “virada” na escola, dormia na carteira [risos]. Sempre gostei muito de música e ia atrás das bandas, pedir autógrafo…enfim, era super a “fã doida”.
Aí com meus 19 anos, mais ou menos, foi quando eu tive meu primeiro projeto sério, a Venus Wave [banda formada somente por mulheres], onde comecei a fazer shows, a tocar em bares aqui em São Paulo. Este projeto durou uns cinco anos e chegou a lançar um EP, além de um single pela Kiss FM, no qual nos deu o título de primeiras ganhadoras do programa Autoral Brasil, voltado a bandas autorais para movimentar o cenário. Foi bem legal, foi nosso primeiro passo, talvez, realmente profissionalizante, onde tive um contato com o mercado. Poderia amadurecer muito com essa banda, mas a pandemia fez cada uma ir para um lado seguir seus planos e acabamos nos afastando.
Além disso, paralelamente, eu estava iniciando o projeto Os Sabiás, no qual eu tenho até hoje, mas que naquela época era cover ainda, com repertório que homenageava o Brasil Anos 70, com Rita Lee, Mutantes, Gal Costa, Erasmo Carlos, Tim Maia, Tropicália e Jovem Guarda. Este período também nos levou a compor e agora estamos compondo nosso primeiro trabalho autoral, estamos com dois singles para lançar, gravados no ano passado. Mas antes de eu começar a compor com Os Sabiás, nessa “meiuca” entre a Venus Waves e Os Sabiás, aconteceu meu projeto solo.
UR – O que te levou a lançar um projeto solo?
JB – Eu estava na pandemia, angustiada com todo mundo e procurando alguma coisa para me ocupar, para canalizar esse caos criativo dentro da minha cabeça. Eu fiz aulas de baixo e guitarra, mas eu me sentia uma instrumentista incompleta, sem recursos necessários para fazer uma música do zero.
Tinha vários cadernos de música, de letras, para mim a letra é a parte mais importante da música e as minhas músicas nascem das letras. Então, comecei a estudar, falei para mim mesma: “Vou me ‘encarnar’ aqui, vou estudar violão”. Comecei a ter aulas com o Pedro Prado, que, inclusive, é o guitarrista do meu projeto solo e dos Sábias. Aí, nesses estudos, acabei ganhando uma independência.
Pela primeira vez na vida comecei a ver letras se tornarem músicas de forma independente. Foi um grande alívio e, para mim, minhas músicas solo encaixavam em nenhum dos meus projetos, que tinha alguma sensibilidade nas letras que não combinava. Estava confessando coisas que eu precisava fazer sozinha, que eu precisava assinar meu nome e, sonoramente, flertava mais com o universo folk, com o universo mais do violão e da voz predominantes. Então acabei assinando como projeto solo.
Também quis sair da zona de conforto, dos projetos em que era acompanhada, e entrar em um lugar onde estava descobrindo uma “nova Julia”. Então, não sabia direito como ia ser, foi um grande estudo, porque, até de fato ficar satisfeita com a sonoridade, demorou, pois estava ali descobrindo como ia ser minha voz nessas gravações, que é uma voz diferente, como seria a captação desses instrumentos, se íamos fazer isso ao vivo, se ia ser um de cada vez…
De fato gravamos a banda ao vivo, mas até acertar os vocais eu regravei em casa várias vezes, nós temos um home studio aqui, e meu namorado, Leo Mayer, quem produziu. Aí eu tinha tanto essa vantagem, como essa desvantagem, que é ter a liberdade de fazer em casa, pois é um processo um tanto infinito. Se você quiser desdobrar a música para sempre, você consegue, nunca ficará 100% satisfeito. Daí demos um basta, estabelecemos um prazo de lançamento, acredito que os clipes nortearam isso para poder lançar, senão ia ficar para sempre assim. De três anos ia virar seis, então precisávamos lançar, eu estava ali aflita e acabei assinando como Julia.
UR – Falando de estética retrô, parece que seu clipe mistura os anos 70 com os do fim do século XIX e início da de XX. Foi proposital?
JB – Sim e não [risos]. Algumas referências eu tive muita clareza que queria que tivessem, que é esse universo dos anos 70. Eu estava muito absorvida por um período específico da música da década que era o de Laurel Canyon, na Califórnia dos anos 70. Estava ouvindo muito Joni Mitchel, Carole King, Crosby, Still Nash & Young, Neil Young solo, Mamas and the Papas, Paul McCartney na fase dos Wings…
Aí, isso se misturou com referências da minha infância, de todo o meu repertório de vida, que também vem desse lugar bucólico, romântico. Sou muito sentimental, “Lua em Câncer”, eu gosto desse estilo de escrita. Desde novinha já lia livros como os de Jane Austen, que é super antigo, de 1813, Virgínia Wolf, que também é uma grande escritora, e Alice no País das Maravilhas, uma das minhas primeiras referências que tenho de Lewis Carroll, de 1865. Quanto a este último, não apenas a estética da animação da Disney, como também a do livro permeia muito esse universo.
E aí juntou essas duas coisas com o revival da Era Vitoriana surgida nos anos 70, que também permeou os figurinos. Enfim, veio bastante dessa estética romântica bucólica, de liberdade de expressão também. Me interessa bastante essa parcela dos músicos porque eles não necessariamente têm a voz mais afinada do mundo, mas tem ali uma verdade na música. Por exemplo, Neil Young, ele performando ao vivo é uma referência muito grande para mim, que tem essa esquisitice dele, essa verdade. Você vê nele uma pessoa de verdade, as letras dele dizem momentos da vida dele mesmo, então eu queria muito trazer essa “cara”.
A Joni Mitchell também. Inclusive, na época que ela lançou Blue não entenderam direito o trabalho dela de início, porque ninguém fazia isso de maneira tão crua, estranharam. Deu incômodo, como se estivesse vendo uma pessoa nua, com sentimentos, e eu acho isso muito bonito, então acho que isso permeou bastante o trabalho.
Ah sim, temos a Patti Smith também, que está em uma outra configuração de época, também anos 70, mas em Nova York, tem elementos mais urbanos e “flerta” muito com o religioso. Gosto muito do livro dela “Só Garotos”, que ela fala bastante do início do relacionamento dela com o Robert Mapplethorpe. Acho que ela tem essa coisa de achar beleza em coisas que não são bonitas, coisas mundanas e não tem vergonha de expor os sentimentos dela, sejam eles limpos, ou caóticos, ou feios, enfim.
UR – Nos conte sobre o processo criativo, como desafios, curiosidades…
JB – Foi um trabalho feito a muitas mãos, mas também de pessoas que não tinham muita experiência no mercado audiovisual. Então nós nos divertimos no caos criativo, acho que todo mundo se comprometeu a fazer com as ferramentas que a gente tinha.
Estávamos ali em 13 pessoas em uma casa de campo, no interior de SP, durante quase uma semana. Ficamos cinco dias longe de casa, montando estrutura no meio do campo com umas tendas de acampamento que saíram voando e saímos correndo atrás das tendas [risos]. Também ficamos no meio das vacas, montamos o cenário no meio delas e elas ficaram ali querendo farejar a gente, ver o que está acontecendo. Ficaram nos cercando, foi engraçado [risos].
Tivemos também uma parte muito grande da arte, que foi produzida para o clipe. Fiz a concepção geral de como seriam esses cenários, de como que ia se desdobrar essa história. Eu pensei esse roteiro com a Helena Panno, que é a diretora, mas essa parte da direção de arte ficou no meu cargo de imaginar em como transformar essa casa de campo, que tinha as paredes brancas e não tinha grandes elementos de decoração em um cenário “doido” ao estilo de Tim Burton e Wes Anderson, que a gente queria.
Então, começamos a esculpir as peças de xadrez do zero, porque eu não queria um xadrez pronto, eu queria que tivesse uma escala “doida” também, um pouco maior, que desse para ver bem na câmera. Tem até uma cena em que essas peças ficam bem na minha cara, e tinha uns elementos de cenário que queríamos que remetessem aos cavalos, então pintei um quadro para o cenário de um casal de cavalos, que aparecem no final durante os créditos.
Quanto ao papel de parede, a Natália, minha assistente, costurou um de 4 metros com retalhos. Não achávamos papel de parede, pois é um negócio caro, fora que não achávamos nada com “cara de vó”. Foram vários desafios, mas eu acho que no fim ficou como a gente esperava, talvez até melhor.
Outro grande desafio foi a cena do xadrez gigante, aquele dos cavalos, a gente não sabia como fazer, eu e Helena tínhamos essa ideia: “Vamos transformar esses dois personagens em cavalos desse jogo e seria muito incrível se a gente conseguisse fazer um tabuleiro gigante e aí poderíamos fazer com uma coreografia essas peças se mexendo no tabuleiro, mas como iremos fazer esse tabuleiro gigante?”. Daí fizemos em uma sala de teatro e, então, fiz um molde no computador para a luz gobo, uma iluminação específica de teatro para projetar o quadriculado do tabuleiro no chão.
Não tínhamos a menor ideia se isso ia dar certo, mas no fim deu, ficou superlegal. Tínhamos medo da iluminação do nosso rosto não aparecer também, pois essa iluminação só ia ficar apontada para o chão, mas ficou bem dramático, pois entrávamos e saíamos toda hora da luz. Ficamos bem preocupados com isso também, mas, no fim, isso colaborou para a cena. Foi legal, mas foi difícil de captar, de gravar isso, mas ficou legal. É isso, foram várias soluções que tivemos que ir bolando, pois não tínhamos uma equipe e um orçamento imenso, foi divertido.
UR – Sobre figurinos (os quais o UR adora abordar sobre), como vocês conseguiram peças tão diferenciadas? Elas tem alguma história?
JB – Com certeza, principalmente as peças masculinas, pois a grande dificuldade foi achar essa estética anos 70, mas ao mesmo tempo vitoriana, com ar de “avô descolado” [risos], mas que achasse no tamanho do bailarino, na paleta de cores e estampa pretendidas. Eu queria muito usar o xadrez, que tem essa coisa meio no estilo “casa de campo”, mas não tinha no meu acervo (eu trabalhava com figurino também) muitas peças masculinas, então tive que correr atrás.
Eu conversei com o brechó Minha Vó Tinha, no qual eu acabo trabalhando sempre, e o Franz [Ambrósio, um dos proprietários do brechó] tem um acervo masculino fantástico, muita peça legal. Então peguei boina, suspensórios, sapatos antigos, calças de cintura alta, enfim, muitas coisas lindas. Além disso, aluguei uma jaqueta que foi usada pela Rita Lee e eu não sabia. Acho que essa peça foi a mais icônica do clipe, a qual eu apareço usando no final, em que estou vestida de cavalo.
É uma jaqueta com tecido brocado, com mangas bufantes e que tinha tudo a ver com a estética em que estava procurando, de livro infantil antigo, meio Lewis Carroll, meio Tim Burton, e de criaturas não muito humanas, então, queria uma peça meio espalhafatosa. Aí quando bati o olho nessa jaqueta, eu vesti ela e caiu como uma luva, ficou ótima em mim e fiquei “nossa, é essa!”, aluguei e, quando fui ver, o Franz me mandou uma foto dizendo “Você sabia que a Rita Lee usou essa jaqueta?”.
Eu surtei, porque só o fato de suar em uma jaqueta que a Rita Lee usou acho que [risos] era inconcebível na minha cabeça, pensava que aquilo tinha que estar em um museu. Ela é minha maior referência desde que eu era criança, desde os meus, sei lá, sete anos, cantava Rita Lee no coral da escola. Para mim ela é a mais, mais, mais…e aí tem um pedaço da Rita no meu clipe, achei incrível!
Além disso, vale citar o Viés Ateliê, que costurou um vestido para mim. Entrei em contato com eles e eles tem esse estilo revival vitoriano, que é muito difícil de encontrar no Brasil, na verdade, quase impossível. Aí quando vi o Instagram deles me apaixonei e perguntei se eles faziam sob encomenda, pois eu queria um vestido com a estética patchwork, meio “colcha de retalhos”, eles aceitaram e escolhi os tecidos com eles. Eu meio que norteei a criação desse vestido e ficou super exclusivo, que só existe no meu clipe.
UR – Alguma palavra final para nossos leitores?
JB – Primeiro eu queria agradecer o convite, fico muito feliz de representar essa parcela dos anos 70 no site [risos]. Adoro acompanhar vocês, já acompanho faz uns anos, adoro as matérias e fico muito feliz de estar sendo citada no site.
Também queria encorajar outras musicistas mulheres por aí que não tem coragem de sair do quarto delas ou que tem medo de tocar um instrumento ou que não se acham boas o suficiente para acreditarem nelas mesmas e fazerem mesmo que não seja o que elas imaginam. No começo vai ser uma coisa crua, que você não vai gostar, mas com o tempo você vai amadurecendo, aprendendo a gostar do próprio trabalho. Eu estou nesse processo de gostar do meu trabalho e ter uma autoconfiança de poder lançar um trabalho solo, então queria dar esse voto de confiança para outras mulheres também.