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The Clash: O que levou a ser a única banda que (ainda) importa

11 de setembro de 2015, por Eduardo Molinar
Música

The Clash começou como uma banda punk underground na Londres de 1976, onde os Sex Pistols já pregavam a anarquia e destruição total do sistema, com cuspes, palavrões e violência. Também eram uma banda de protesto assim como os Pistols, mas de outra forma. Quem conhece um pouco da história do punk rock já deve ter ouvido que “enquanto os Sex Pistols queriam destruir, o Clash queria unir as pessoas”. Após o término dos Sex Pistols, The Clash levou a alcunha de “a única banda que importa”. No entanto, a questão que permanece é…por que o Clash ainda é a única banda que realmente importa?

Apresentações explosivas, músicas que mesclavam punk rock com reggae e letras extremamente politizadas, eles despertaram a atenção da poderosa CBS e foram contratados. Mark Perry, criador e editor da fanzine inglesa Sniffin’ Glue, disse que “o dia em que o Clash assinou com a CBS, o punk morreu”. Talvez não tenha sido um movimento da banda muito bem visto por alguns, mas não há nada tão punk quanto o que o Clash fez: assinar com o sistema para atacá-lo de dentro para fora.

The Clash

Da esquerda pra direita: Topper Headon (bateria), Mick Jones (guitarra solo e vocal), Paul Simonon (baixo), Joe Strummer (guitarra base e vocal)

Seu primeiro álbum, autointitulado The Clash, foi aclamado por vários críticos e hoje é considerado o melhor álbum de punk rock de todos os tempos. A prova são canções como White Riot, que convoca os brancos a lutarem assim como os negros faziam; White Man in Hammershit Palais, que mistura punk rock com reggae e I’m so bored with the USA, onde eles criticam aspectos sociais norte-americanos, como o Exército, o uso de drogas e o apoio de ditaduras no Terceiro Mundo. A banda sai em turnê, mas sofre boicote da própria gravadora. É atribuído à banda custear a turnê, despesas em geral e pagar os roadies. A CBS não os ajudaria em nada. Mesmo assim, o Clash se apresenta na Inglaterra, na França e na Alemanha.

The Clash em show ao vivo, 1977.

Clash ao vivo em 1977. O ódio e a atitude eram algo natural da banda. (Foto: Bob Gruen)

O próximo álbum, Give‘Em Enough Rope, foi uma tentativa da gravadora em introduzí-los no mercado norte-americano, e acertou com a banda para criarem faixas mais “brandas” que pudessem ser tocadas nas rádios. Diferentemente da Inglaterra, nos Estados Unidos o punk não foi abraçado nem pelo público nem pela mídia. Tanto que bandas americanas como Ramones e Johnny Thunders and the Heartbreakers, extremamente populares no Reino Unido, estavam reduzidas a meras bandas de casas de shows underground na América. O Clash, como queria conquistar a tão amada e odiada América, aceitou em ajustar seu som, mas não suas letras. Tommy Gun renunciava à luta armada e Alltheyoung punks dizia aos jovens punks para aproveitarem suas vidas, pois não havia muito pelo que chorar.

O que um grupo como os Beatles ou os Rolling Stones teriam feito se o seu álbum falhasse nas paradas? Gravado algo diferente com um tom mais comercial para agradar as rádios, pois era o dinheiro que importava a eles. Mas não era isso que importava ao Clash. Então os quatro se trancaram no Wessex Studio, e com a produção de Guy Stevens, começaram a gravar um dos mais icônicos álbuns da história do rock and roll: London Calling.

London Calling álbum

Capa do álbum London Calling traz Paul Simonon destruindo um baixo

Diferente de qualquer tipo de disco lançado por qualquer banda até hoje, London Calling reúne diversos estilos como rockabilly, punk, jazz, ska, reggae e rock and roll. Canções como London Calling, que trata de um apocalipse iminente em decorrência do fator nuclear, estão a frente do seu tempo. Talvez esse tenha sido o álbum máximo da história do rock, pois, apesar de variar de estilo de música pra música, todo ele continua soando punk, e as letras contidas nelas são visionárias, conforme o ex-empresário de turnê da banda, Johnny Green, contou em nossa entrevista. “London Calling tem apelo com todos os tipos de pessoas em todos os lugares. As letras tem muito significado e as músicas são contagiantes”.

London Calling foi um álbum duplo que literalmente arrombou as portas dos Estados Unidos e do mundo ao Clash. Finalmente o grupo estava recebendo a atenção que merecia, mesmo que a mídia não fosse exatamente sua aliada. “Hoje a mídia trata o Clash como uma grande banda de rock’n’roll” – afirma Johnny Green – “Toca sempre as mesmas faixas famosas, mas ignora o quanto eles mudaram a forma que as pessoas enxergavam o mundo ao seu redor. Eles não confiavam nos jornalistas por estes distorcerem a mensagem da banda… ironicamente eles precisavam dos jornais para manter as pessoas informadas sobre suas ações”.

No entanto, o que fazia o Clash digno de tanta aclamação, além de sua postura musical e política? Sabendo da situação financeira da maioria dos fãs, que não era diferente da situação da banda, o Clash brigou com a gravadora e conseguiu que a CBS vendesse o álbum duplo pelo preço de um álbum simples. Entrevistas polêmicas, brigas com a gravadora e com as ditaduras (democráticas ou autoritárias), discos geniais e adorados por pessoas do mundo todo, não importando a classe, religião ou raça, o Clash era, naquele momento, a maior banda de rock and roll do mundo.

Clash tocando a música London Calling em 1980, nos Estados Unidos

Em 1980 é lançado o álbum triplo Sandinista!, nome dado em apoio à revolução Sandinista que ocorria na Nicarágua. Seguindo o mesmo modelo do London Calling, o Clash mais uma vez colocou diversos ritmos nos discos, se afastando do “rótulo punk” e dando ênfase a influências como reggae, ska e funk. A canção de abertura, The Magnificent Seven, foi a primeira música que mesclava hip hop com rock gravada por um grupo inglês.

Certamente, após o sucesso internacional de London Calling, a CBS iria querer ainda mais com o novo álbum, mas o Clash resolveu bater o pé e obrigou a gravadora a vender pelo preço de um álbum duplo. Por essa, a banda ficou em débito com a CBS, e teve que bancar parte da produção do disco. A dívida só seria saldada em 1982. Johnny Green explicou a implicância que havia entre gravadora e banda: “A CBS achava que o Clash não iria durar e que não faria sucesso mundial, então não queriam investir tempo e dinheiro neles”.

Nos dois anos seguintes a agenda do Clash foi frenética. A banda se dividia entre apresentações na Europa e nos Estados Unidos. Todas essas atividades, mescladas com o ativismo político cada vez mais radical por parte deles, foram cansando os integrantes. A mídia os atacava, chamando-os de hipócritas por criticarem o sistema e fazerem parte dele, e Joe Strummer, que tomava a frente da maioria dessas críticas, várias vezes brigava com os jornalistas.

Joe Strummer discute com jornalista após uma pergunta feita sobre o suposto vício em heroína do baterista TopperHeadon

Chega o ano de 1982 e, com ele, vem a gravação do álbum de maior sucesso comercial do Clash, Combat Rock. Trazendo canções dançantes como Should I Stay or Should I Go e a também dançante mas criticando a criminalização do rock no Oriente Médio, Rock the Casbah, o Clash volta ao topo das paradas no mundo todo. Outras músicas marcam o álbum, como Know Your Rights, que critica abertamente a costumeira violência policial e a hipocrisia dos políticos, e Straight to Hell, com ritmo calmo e letra regada a ódio contra as potências capitalistas. Topper Headon é demitido por causa de seu vício em heroína pois eles eram uma banda anti-drogas, e não poderiam continuar com o seu baterista naquele estado.

O Clash, já com o baterista Terry Chimes

O Clash, já com o baterista Terry Chimes, em 1982 na cidade de Detroit. (Foto: Robert Alford. Tirada do site www.cleveland.com)

O grupo saiu em uma turnê mundial que incluía Estados Unidos, Europa, Jamaica e Extremo Oriente. No meio da turnê na América, eles são convidados para abrir o show do Who, no Shea Stadium. O Clash vai, rouba a cena e seu show é tão grandioso que se torna um LP ao vivo.

Clash ao vivo no SheStadium com uma de suas canções mais populares. A dívida com a gravadora fora saldada, e a banda estava no topo.

Finalmente a exaustiva turnê acaba e eles voltam para casa. Mas no início de 1983, os organizadores do US Festival convidam o Clash a se apresentar. A banda se reúne (com muito custo, pois a relação de Mick Jones e Joe Strummer já estava pra lá de deteriorada) e decide ir ao festival. Confirmada a atração, os organizadores sobem o ingresso de 17 dólares para 25 dólares, pois, afinal, era o Clash que iria tocar. Quando Joe Strummer soube disso, algumas horas antes de subir no palco, e também soube que o Van Halen ganharia 1 milhão de dólares para se apresentar, explodiu de raiva e ameaçou que sua banda não se apresentaria. Após muita negociação, até mesmo com as outras bandas, ficou acertado que toda a renda do Clash seria doada a instituições de caridade, inclusive uma parte generosa da renda das outras bandas e de todo o festival.

Este foi o último show com Mick Jones, logo ele seria demitido. Joe Strummer e Paul Simonon recrutaram outros integrantes e chegaram a lançar o álbum CuttheCrap em 1985, além de ter saído em turnê em 1984. Mas era o fim. O Clash havia acabado e, para Simonon e Strummer, não havia mais como nem por quê continuar.


Show na íntegra do US Festival 1983, um dos melhores shows da banda. Ao fundo há uma faixa afirmando que o “Clash não está a venda”.

Após mais de 30 anos do fim da banda, o Clash continuou inspirando pessoas em vários meios. Aqui no Brasil, a We Are The Clash, banda cover do quarteto de Londres, vem há mais de dez anos mantendo a mensagem do Clash viva, como conta Alberto Rinaldi (Deedy Strummer), vocalista: “Costumo dizer que o Clash mudou minha vida para muito melhor. Uma das coisas que sempre vou levar comigo é o fato de eles conseguirem ser uma banda totalmente politizada e tocando rock de qualidade. Outra coisa é a falta de preconceito da banda, tendo em um único disco diversos ritmos”.

O legado da banda é a sua atitude. “Questionar a autoridade, questionar tudo, pensar radicalmente por si mesmo e mudar a própria vida”, relembra Johnny Green. Nenhuma banda fez o que o Clash fez pelos fãs e atacou o sistema da forma que ele deveria ser atacado, de dentro pra fora. Nunca o punk foi tão punk. Como Joe Strummer disse em uma entrevista a uma equipe de TV canadense em 1979: “Ou você dá tudo o que tem ou desiste!”. Sem dúvida nenhuma, o Clash ainda é a única banda que importa.

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