Home > Destaque > Universo Retrô entrevista Íris Bruzzi, eterna vedete do Teatro de Revista Brasileiro

Universo Retrô entrevista Íris Bruzzi, eterna vedete do Teatro de Revista Brasileiro

24 de julho de 2015, por Aurora D'Vine
Lifestyle

Os fios dourados, a elegância da bolsa com brilho prateado e a blusa combinado com as cores da sandália, logo me fez lembrar a Blond Bombshell, que levava os homens ao delírio em plena década de 1950. Em um apartamento na Avenida Atlântica, bairro de Copacabana, estávamos a sua espera, ansiosas para ver Íris Maria Bruzzi de Medeiros, mais conhecida como a grande vedete Íris Bruzzi, atração das revistas dirigidas por Carlos Machado.

Hoje, aos 80 anos de idade, ela se dedica a carreira no Brasil com a vida nos Estados Unidos. O pouco tempo que fica por aqui, se divide entre amigos, familiares e exames de rotina. Durante nossa conversa, a artista coloca o público em primeiro lugar, e não há de ser diferente, afinal, seu carisma conquistou e conquista gerações até hoje.

Ao longo de seus 50 anos de carreira, Bruzzi coleciona atuações no teatro, em novelas e no cinema nacional, sendo lembrada como uma das Certinhas do Lalau, coluna do cronista Sérgio Porto. Estrela de Massagistade Madame (1958), Garota Enxuta (1959), de As Cariocas (1966), e tantas outras filmagens, contabiliza cerca de 22 papéis nas telonas. Já nas telenovelas, ficou consagrada como Margarida, em Belíssima, da rede Globo, onde atuouao lado da amiga, também vedete, Carmen Verônica, além de estrelar a trama Vidas Opostas, na rede Record.

A artista foi casada com Walter Pinto, importante empresário do Teatro de Revista, que conhecera quando ainda era atriz do Teatro Follies, com quem teve três filhos. Olhar para Bruzzi foi como me ver sentada em uma das cadeiras dos teatros da Praça Tiradentes, aplaudindo uma mulher que esbanja simplicidade e boas histórias. Confira a seguir nosso bate-papo.

Íris Bruzzi e Carmen Verônica

Íris brilhou na novela Belíssima, com a personagem Margarida, ao lado da amiga e vedete Carmen Verônica. (Foto: Reprodução)

UR – De que forma a senhora se descobriu atriz?

Íris – O teatro foi a base de tudo em minha vida. Eu estreei em 1953, estava acabando de completar 18 aninhos. Fui para o teatro porque todas as outras coisas que tentei não deram certo. Minha avó me levou para trabalhar em uma loja, no Rio, e logo me escalaram para o setor de perfumaria. Só que naquele tempo não tinha máquina de calcular, e eu sou péssima para fazer contas. Depois fui ser comissária de vôo, aliás, função que concentrava um grande número de mulheres lindas.

Fiz entrevista com o brigadeiro e ele perguntou se eu gostava de andar de avião? Na mesma hora respondi que tinha pavor. Pois então, ele ligou para o meu pai e disse que eu tinha tudo para ser uma comissária, se não fossem as náuseas aéreas. Resolvi ficar na praia,tomando banho de mar. Foi aí que me convidaram para fazer um teste no Teatro Follies, coqueluche do momento. O teste era colocar umbiquíni e ser corista, atrás de cantoras e vedetes. Foi assim que eu descobria minha verdadeira vocação.

UR – A senhora foi casada com um grande empresário do Teatro de Revista, o saudoso Walter Pinto. Chegou a estrelar alguma peça dirigida por ele?

Íris – Do Teatro Follies eu parti para as peças de Carlos Machado. Casei-me com Walter Pinto logo depois que comecei a fazer TV. Mas como santo de casa não faz milagres, só fui trabalhar com ele quando nossos filhos já estavam grandinhos. Walter não me convidava para fazer as peças dele e eu,orgulhosa, não pedia. Estrelei um show de Carlos Machado, no HotelSerrador. Essa peça contava com grandes estrelas, entre elas, uma vedete de Portugal, que estava grávida e não continuaria gravando.

Foi aí que o grande maestro Vicente Paiva disse: “porque não a Íris Bruzzi, ela já conhece todos os números”. Foi neste momento que Walter, muito a contragosto, me contratou. Eu, muito metida, disse que tinha exigências a fazer. Pedi para assinar o contrato com os secretários do Walter e, por último,determinei seis meses de salário adiantado. Foi aí que comprei o meu primeiro carrinho, um fusca. Essa peça foi um divisor de águas para mim, até hoje as pessoas me param na rua e me reconhecem como a vedete Íris Bruzzi.

Íris Bruzzi

Segundo Íris, o pré-requisito básico para ser vedete era a beleza e ter um certo charme. (Foto: Reprodução)

UR – Como foi conviver com os espetáculos de Walter e observar o que viria depois a título de teatro musical no Brasil?

Íris – Depois que Walter parou de fazer Teatro de Revista, não houve mais nada que fizesse referência àquela época. As peças dele contavam com 70 músicos no palco, campanários, entre outras atrações. Todo ano ele trazia 18 bailarinas clássicas, sendo seis de Buenos Aires, seis de Paris e seis de Londres.

Em uma única peça você tinha grandes comediantes,como Grande Otelo, Oscarito, Walter D’ávila, além de mulheres lindas. Havia muita crítica política, pois o Teatro de Revista era muito inteligente. O ex-presidente Getúlio Vargas era presença marcante no teatro, ele adorava se vir no palco por meio dos atores que o imitavam.

UR – A Praça Tiradentes era o grande point do Rio de Janeiro entre 1940 e 1950. Lá concentrava diversos teatros, inclusive o Teatro Recreio. Mas de que forma tudo isso deixou de existir?

Íris – O Teatro Recreio era o maior teatro do Brasil, ele nunca foi do Walter, pois pertencia a Beneficência Portuguesa. Contudo, o contrato consistia que enquanto existisse a empresa Pinto LTDA, o teatro seria deles. Walter ficou, três anos, sem fazer festas, alugava o teatro para companhias de quinta categoria, foi então que a Beneficência solicitou o espaço de volta, alegando que ali passaria um grande viaduto.

O Rio de Janeiro perdeu um grande teatro. Quando os navios aportavam, as pessoas já tinham o roteiro dos teatros, era muito importante. Eu costumo dizer que o Teatro de Revista acabou quando Walter Pinto ficou doente. Ele teve depressão profunda, mas antigamente ninguém sabia o que era isso, achávamos que ele só estava triste.

Íris Bruzzi

A queridinha dos brasileiros, Íris foi capa e assunto em diversas revistas. (Foto: Reprodução)

UR – De que forma a senhora observa o teatro daquela época e a memória cultural de hoje?

Íris – Costumo dizer que Walter Pinto foi um gênio. Ele fazia coisas que nem a Broadway tem. Em meio segundo o palco se transformava em uma lagoa, com mulheres maravilhosas que emergiam em meio à água. Ele chegou a construir um poço artesiano ao lado do teatro. E como todo gênio, ele era muito chato. Hoje nós não temos nenhuma memória. Muita gente não sabe quem foi Walter Pinto. Fora do país, por exemplo, a impressão é que a comediante Lucille Ball está viva, tamanho prestígio que ela tem até hoje.

UR – A censura da Ditadura Militar foi empecilho para as críticas políticas e sociais no teatro?

Íris – Os presidentes se viam representados no Teatro de Revista. Havia sempre um meio de burlar a censura, sendo a criatividade uma delas. Hoje temos espaço e bons atores para um novo Teatro de Revista, mas não tem dinheiro. Atualmente, as peças concentram poucos atores. Antigamente reuníamos 10 comediantes em um só palco. Além disso, temos o advento da televisão, coisa que, naquela época, não existia.

Blond Bombshell

A Blond Bombshell fez história no teatro, na TV e no cinema, onde estrelou 22 filmes (Foto: Reprodução)

UR – Walter Pinto costumava dizer que todas as mulheres de seu teatro eram virgens, tamanho respeito e rigor. O que rolava nos bastidores?

Íris – O teatro tinha um trabalho muito sério com os seus artistas, era muito rigoroso. Para ter ideia, quando assinávamos contrato, tinha uma cláusula que proibia as mulheres de tomar sol, pois as francesas faziam nú estático e as vedetes mais tradicionais ficavam de biquíni, e não pegava bem apresentar seios brancos em meio a um corpo bronzeado.

Mara Rúbia veio de Marajó para fazer um teste no teatro de Walter Pinto. Ele pediu para que ela levantasse a saia e mostrasse as pernas. Mara ficou indignada e disse que se ele quisesse ver sua perna, era para lhe comprar um maiô. Pois bem, ele deu o dinheiro e ela voltou com o traje de banho e, claro, foi aprovada.

UR – Quais eram os requisitos básicos para ser uma vedete de sucesso?

Íris – Para ser uma vedete o pré-requisito era ser bonita, depois tinha que ter certo charme, aquelas frescuras. A vedete não cantava profissionalmente, mas ela cantava quando o papel mandava e, conforme você se mantinha no teatro, ia aprimorando a forma de dançar, interpretar. A Dercy Gonçalves e Renata Fronzi, por exemplo, mantinham carteira de trabalho com registro de prostituta. Era uma época cercada por preconceitos.

Íris em entrevista

Íris em entrevista para Fundação Nacional de Artes (Funarte), em documentário sobre o Teatro de Revista (Foto: Reprodução)

UR – Para a senhora, quem foi a grande vedete do Brasil?

Íris – A grande vedete foi Virgínia Lane. Ela tinha uma malicia e uma graça fora do comum. Ela amava aquela profissão, o que a fazia passar por cima de qualquer um. Tanto, que não era muito querida, principalmente, entre os bailarinos, pois exigia distância mínima no palco para que sua beleza, de um metro e meio, não fosse ofuscada. Outra maravilhosa era Mara Rúbia, que não sabia fazer nada em cena, mas seu cabelo loiro, sua beleza clássica e as boas gargalhadas, lhe garantiam plateia constante.

UR – Saudades é um sentimento constante em sua vida? Como a senhora administra o hoje?

Íris – Tudo deixa saudades daquela época, mas eu não sou uma saudosista, eu sou uma mulher que vive o hoje. Foi um tempo muito bom, muito bonito. Eu morei 10 anos em Nova Iorque, alugava apartamentos. Agora estou passando uma temporada no Brasil, já passeei bastante, revi amigos, ex-vedetes, gravei programas e, ainda este mês, retorno para minha vida no exterior. É lindo ver que os jovens se interessam pela história do teatro e sou uma entusiasta, pois é um orgulho olhar para trás e lembrar com carinho de todas essas histórias.

No vídeo abaixo, Íris Bruzzi no “Garota Enxuta”, 1959, dirigido por J.B. Tanko.

Essa matéria contém informações de Leiriane Teixeira Corrêa.

Matérias Relacionadas
Micro Franjas
Micro franjas, o corte “cinquentinha” que voltou a ser tendência
Como assim faliram?
Como assim faliram?: 5 gigantes que ninguém imaginava fechar as suas portas
Fiat Topolino
Fiat Topolino: carro clássico dos anos 30 ganha nova versão elétrica
Pessoas pareciam mais velhas no passado
O curioso fato das pessoas parecerem mais velhas no passado

3 Responses

Deixe um comentário