Alguém se lembra das divas e mocinhas de cintura fina e saias rodadas que cantavam na rádio? Cantora profissional durante 33 anos, começou sua carreira em 1957, aos 18 anos de idade, hoje, aos 77 anos, Luciene Habib Franco Freitas Câmara, ou apenas “Luciene Franco”, como ficou conhecida, conta exclusivamente para o Universo Retrô como foi viver a saudosa era das rádios.
Universo Retrô- Você vem de família libanesa por parte de mãe e italiana por parte de pai, aos 18 anos começou a cantar em uma época onde as meninas eram orientadas a serem donas de casa, professoras, costureiras…você teve apoio da sua família para entrar no mundo artístico?
Luciene Franco – Contei com total apoio dos meus pais, tive sorte. Comecei a cantar em 1957, era menor de idade, tinha 18 anos, com a maioridade naquele tempo era aos 21, meu pai me emancipou no cartório, para que eu pudesse cantar à noite na antiga e famosa boate “Fred’s”, no Leme. Não Friend’s, como muitos dizem! (risos)
Universo Retrô- Então, como diziam na época, seus pais eram “prafrentex”, como foi sua educação?
Luciene Franco – Era filha única, estudei em bons colégios, estudei francês, alemão, inglês, espanhol, o que me permitiu cantar em outras línguas. Tive aulas de canto por 11 anos com a professora Fernanda Gianneti, com Lilian Nunes, estudei teoria da música com o grande maestro Moacir Santos… ou seja, busquei uma educação musical, me preparei para isso. Eu fazia canto lírico. Na época, Srª.Gianneti não era professora de nenhum cantor popular, foi a Marlene que teve o estalo de que era fundamental estudar o canto, a levei até minha professora, depois veio Beth Carvalho, Agnaldo Rayol, Ney Mato Grosso…
Universo Retrô – Você é apontada como a intérprete favorita de Ary Barroso, que foi como um padrinho artístico para você, como começou essa parceria?
Luciene Franco – Eu nunca fiz programa de calouros, na verdade comecei cantando pelas mãos do grande violonista e compositor Luiz Bonfá que me levou para a gravadora Copacabana, autor de “Manhãs de Carnaval” por exemplo… depois que Ary me ouviu cantar, me apadrinhou. Foi uma verdadeira escola cantar com Ary Barroso, ele era um gênio, e extremamente exigente com seus artistas, isso foi importante para procurar sempre atingir a perfeição.
Universo Retrô – Numa época onde não existia muita tecnologia na indústria fonográfica, como era o processo de gravação dos LP’s?
Luciene Franco – Não tão difícil, na verdade nunca demorei para gravar, não. Por exemplo, gravei um LP inteiro com Baden Powell, “Luciene é Amor”, todas de primeira. Entramos num estúdio em São Paulo com o Ohana na bateria, Rubens Bassini e outros amigos. Foi na década de 60, gravamos em uma tarde 10 músicas, a produção, os arranjos e a maioria das músicas eram do Baden. Ensaiamos, gravamos e o LP estava pronto, de prima.
Universo Retrô – Você também atuou na TV, como foi esse ingresso?
Luciene Franco – Comecei a cantar na televisão em 1958 na TV Rio, depois disso, tive um programa só meu chamado “Um Nome, Uma Voz” produzido e dirigido por dois grandes nomes, o locutor esportivo Luiz Mendes e o diretor José Brasil que me foram uma grande força na minha vida e na minha carreira.
Universo Retrô – Você tinha algum ritual antes de se apresentar?
Luciene Franco – Era simples, eu jamais bebi antes de entrar no palco. A bebida tira você do seu estado emocional, te desequilibra. Era uma época que rolava drogas e álcool como hoje em dia, mas eu era muito reservada e era muito bem cuidada pelos colegas do meio como Carminha Mascarenhas e Lúcio Alves…Nunca ingeri uma gota de álcool antes de me apresentar, e também sempre procurei ficar concentrada uns minutos antes no meu camarim.
Universo Retrô – Luciene, você assustou seus fãs em janeiro de 1963 ao estampar a primeira página dos jornais do país…
Luciene Franco – Eu sofri um acidente de avião em São Paulo, estava indo a um programa de tv, minha música “Gente Maldosa” estava nas paradas de sucesso. Era um Convair da Cruzeiro do Sul, bimotor…sou uma das sobreviventes. Um dos motores parou e o avião caiu em Jabaquara em cima de três casas, pessoas morreram. Fui a penúltima a ser retirada, pois estava presa nas ferragens, chovia muito, estava toda suja de lama…eu via o osso da minha perna e um ferro transpassou minhas costas na altura dos rins, fui operada com sucesso, graças a Deus. Meu pai e minha mãe foram até lá me buscar e só fiz uma exigência: “Quero voltar de avião!” E assim foi…vivo sem medo, não tenho medo de nada.
Universo Retrô- Nessa trajetória de muito sucesso como cantora e intérprete, qual momento foi um grande marco pra você?
Luciene Franco – O maior boom, com certeza foi em 1961, Dolores Duran já era falecida e entregaram ao grande pianista e compositor José Ribamar uma letra que ela havia deixado “Ternura Antiga”, como fizeram parcerias por muitos anos, ele musicou a letra, e foi meu primeiro sucesso, que lancei no primeiro Festival da Canção do Rio, ficou em segundo lugar, e foi gravado por muitos posteriormente, como Roberto Carlos, Alcione…posso dizer que foi uma carreira muito boa e gratificante, cantei muito no exterior, cheguei a receber convite para uma temporada no Japão, mas tinha dois filhos pequenos na época… fiz televisão no Brasil inteiro, passei por diversos programas musicais de norte a sul do país como o Chacrinha, Sílvio Santos, J. Silvestre, Flávio Cavalcanti, Aerton Perlingeiro, Blota Jr., Murilo Nery…
Universo Retrô – Você era e ainda é uma diva, frequentava lugares glamorosos e estava sempre impecável, quem vestia e produzia você?
Luciene Franco – Bom, quem cuidava do meu cabelo era o Silvinho que trabalhava com Jambert, era meu cabelereiro, maravilhoso…eu era vestida pelo Dorian, amava a alta costura dele…criava vestidos divinos e todos bordados à mão, era uma trabalho de qualidade e feito com todo esmero. Apesar de usar todas as cores sempre preferi o preto, e o amarelo sempre me deu muita sorte nos palcos. Tinha muitas roupas…e as plumas…ah, eu adorava plumas! Sempre me vesti para o meu público.
Universo Retrô – Os anos dourados deixaram não só a saudade das canções românticas, mas também de uma elegância que parece não voltar mais, quando você vê os artistas se apresentando com roupas totalmente diferentes, o que você pensa?
Luciene Franco – Às vezes acho triste. Na minha época havia uma elegância, um cuidado no vestir, um respeito para com seus telespectadores que gostavam de ver seus artistas no luxo. Isso é respeito com o seu público, você não pode estar maltrapilha. Os rapazes usavam smoking para se apresentar, era o tempo das orquestras…bons tempos. Mas é claro que hoje um ou outro se veste bem.
Universo Retrô – O que nunca entrou no seu armário?
Luciene Franco – Bermudas (risos)! O que é aquilo? Não é uma calça, não é um short, é algo que fica no meio do caminho. Não consigo entender, acho muito feio. Muito melhor usar um vestido, uma calça de alfaiataria, e se possível com detalhes em brilho… brilho é comigo mesmo, tenho que ter até nas unhas!
Universo Retrô – Com uma carreira incrível de 33 anos, você decidiu dar uma pausa administrar seu próprio negócio, como foi essa mudança?
Luciene Franco – Fui e sou muito feliz, parei no tempo que achei que devia parar. Dos 30 anos que passei no ramo da hotelaria administrando o hotel da família em Cabo Frio, 20 não cantei. Foi como fazer uma faculdade, aprendi muito, lidava com o público novamente, mas de forma diferente, claro. Alguns clientes me reconheciam… tive dois casamentos, tenho 3 filhos e quatro netinhos, me sinto realizada. Em 2012 entreguei as chaves, pois vivia entre o Rio e Cabo Frio, mas não me arrependo… o saldo é positivo. Em junho desse ano estarei de volta aos palcos no Imperator, e na Baden Powell em julho. Posso adiantar que no repertório estarão “Ternura” de um dos integrantes do Golden Boys, Renato Correa, e “Mon Credo” de Mireille Mathieu, que adoro demais. Os vestidos que vou usar foram escolhidos em Paris com a ajuda do queridíssimo Márcio Gomes, que considero como o quarto filho que gerei no coração, e sem dúvida, atualmente o maior cantor do Brasil. Ele vem trazendo de volta tudo o que vivemos musicalmente naquelas décadas.
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