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Os monstros invadem o subúrbio: a sátira do “american way of life”

18 de outubro de 2021, por Barbara Albertoni
Cinema & TV
Família Addams

O American Way of Life surgiu nos Estados Unidos após a Primeira Guerra e ganhou força com o fim da Segunda Guerra e a devastação da Europa. A ideologia representava estabilidade financeira, felicidade e distanciamento da guerra, incentivando o bem-estar através do consumo material e buscando estabelecer um padrão social e comportamental.

A partir de uma dominação cultural e promoção da auto-imagem dos Estados Unidos, o mundo inteiro passou a idealizar a vida perfeita da classe média branca nos famosos subúrbios. Longe dos subúrbios, a classe trabalhadora se aglomerava nos centros urbanos e os negros continuavam sem seus direitos civis básicos, excluídos do American Way of Life. A segregação social, cultural, política e espacial estava acontecendo com toda a intensidade para deixar o sonho americano cada vez mais branco e rico. 

Nasce as Sitcoms Domésticas

No final dos anos 40, surgiram as sitcoms domésticas: séries televisivas que acompanhavam o cotidiano de famílias suburbanas. Muitas vezes, os programas serviam como um guia ideológico para as famílias suburbanas da vida real se espelharem, copiando os comportamentos, educando as crianças da mesma maneira e adquirindo os produtos que viam na televisão.

A Família Addams & Os Monstros

Nos anos 60, duas séries surgiram nas televisões estadunidenses se opondo ao conformismo dos subúrbios: A Família Addams (1964-1966, ABC-TV) e Os Monstros (1964-1966, CBS). Ambas as séries mostravam o cotidiano de famílias suburbanas, porém fazendo uma paródia das famosas sitcoms dos anos 50.

Coube aos Addams e aos Munsters se tornarem modelos contraculturais e questionarem os valores, a moral e a ideologia do American Way of Life com suas críticas ao ideal familiar que estava sendo construído e difundido desde o final da Segunda Guerra.

(Os Monstros | Foto: Reprodução)

Há limites políticos e sociais nas duas séries, visto que elas não se propõem a serem revolucionárias nem romperem totalmente com a lógica burguesa, porém a crítica ao modelo familiar restrito da classe média branca ainda nos anos 60 mostra como tal modelo, que continua sendo imposto até os dias de hoje, é historicamente insustentável por excluir grande parte da população.

Em diversos episódios, os Addams e os Munsters estão preocupados com a aceitação das outras famílias do subúrbio e estão em busca do sentimento de pertencimento a um lugar; já em outros episódios, há o enaltecimento das famílias em não se entregarem para o conformismo do subúrbio.

É possível ver os Addams e os Munsters utilizando disfarces e mudando suas identidades em vários episódios a fim de se ajustarem àquela sociedade – o uso de disfarces para serem “normais” também tem a função de expor o ideal familiar dos anos 50 como algo falso, algo artificialmente construído.

Há um jogo duplo: ao mesmo tempo em que querem se encaixar em uma família considerada “normal”, também reafirmam com orgulho as suas diferenças frente ao outro. As séries exploram a bizarrice na normalidade e a normalidade na bizarrice.

Questionando os valores tradicionais

Com o auge da contracultura nos anos 60 questionando os valores tradicionais, ambas as séries, de certa forma, foram as primeiras a representarem aquelas pessoas que não se sentiam parte do homogêneo sonho americano e elas funcionaram como um medidor de mudanças na sociedade.

Ao questionar a “normalidade” das famílias suburbanas, são levantados também questionamentos subjetivos sobre o bom, o mau, o belo e o feio e como tais valores são construídos socialmente, a exemplo de Marilyn, a sobrinha “normal” dos Munsters.

Marilyn, como o próprio nome da personagem faz referência, representa o padrão de beleza e comportamento dos anos 50 e é vista como “estranha” por seus familiares, que a amam sem se importarem com aparências. O padrão de beleza e os valores tidos como universais são questionados a partir de uma outra visão e compreensão de mundo, pois a estética está relacionada diretamente ao modo como assimilamos a sociedade ao nosso redor e formamos a nossa subjetividade.

Marilyn, a "estranha" em Os Monstros)
(Marilyn, a “estranha” em Os Monstros | Fotos Reprodução)

Ainda que as séries sejam centradas em relacionamentos heterossexuais e haja, em certa medida, a divisão sexual do trabalho, vemos Gomez Addams e Herman Munster presentes em casa grande parte do tempo. O papel tradicional da dona-de-casa é substituído pela vontade de Mortícia Addams e de Lily Munster em seguirem seus sonhos trabalhando fora e até mesmo desenvolvendo suas habilidades artísticas, como podemos ver em alguns episódios.

A atração sexual, em oposição às famílias tradicionais do subúrbio, é outro fator evidente entre os casais Addams e Munsters. Lily e Herman Munster estão entre os primeiros casais da televisão a serem vistos dormindo na mesma cama. Mortícia e Gomez Addams foram o primeiro casal na televisão a revelarem uma vida sexual ativa, não à toa ficaram muito conhecidos pelas carícias e afetos trocados durante os episódios, o que os tornaram símbolos de um relacionamento amoroso bem sucedido.

Famosa cena de carinho entre Mortícia e Gomez Addams
(Famosa cena de carinho entre Mortícia e Gomez Addams | Foto: Reprodução)

As mansões vitorianas dos Addams e dos Munsters, que fugiam das produções em massa, representavam um lugar de amor, respeito, apoio e segurança em meio às casas modernas, fetichizadas e hipócritas dos subúrbios, onde eletrodomésticos novos possuíam mais importância.

Há muito tempo os monstros e o grotesco são utilizados para fazer críticas sociais e políticas, como, por exemplo, a ascensão dos filmes de horror na década de 30 como uma reação ao avanço do fascismo na Europa ou então, já na década de 60, o clássico de zumbis A Noite dos Mortos-Vivos, do diretor George Romero, que faz uma crítica ao capitalismo e ao consumismo.

Família de monstros e a crítica ao conservadorismo

De 1877 até a metade dos anos 60, principalmente – mas não exclusivamente – os estados do sul dos Estados Unidos possuíam um sistema de leis conhecido como Jim Crow, que legalizava e fundamentava o racismo e a segregação racial. Com a segregação racial, os subúrbios foram apresentados como os lugares mais seguros para as pessoas brancas, longe dos negros e outras minorias étnicas.

Famílias de monstros sendo mostradas na televisão ocupando os subúrbios, ao contrário de ser algo ruim, trouxe uma importante contribuição para a crítica e transgressão da ideologia conservadora, segregacionista e conformista dos subúrbios. 

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