Nascida das mãos de grandes visionários, em 1950 a Vera Cruz brilhou com a produção de filmes, voltando a ser notícia, hoje, com projeto milionário
Quando falamos sobre Hollywood, muitas pessoas fazem referência à indústria cinematográfica e, logo, aos seus astros consagrados diante da tela prateada. Desde o cinema mudo até as grandes produções, este distrito da cidade de Los Angeles influenciou o mundo e, com o Brasil, não foi diferente. Muitas personalidades de sucesso tiveram seu espaço garantido nas telonas internacionais, diga-se de passagem, Carmen Miranda, que brilhou como a maior sensação do Show Business, entre 1940 e 1950.
Há quem diga que o território nacional já foi sinônimo de Hollywood, mas eu costumo dizer que o nosso cinema, apesar da influência, conquistou identidade própria, alcançando sucesso no Brasil e no mundo. Prova disso é a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, situada na cidade de São Bernardo do Campo, que ganhou vida entre 1949 e 1954. Produziu mais de 40 filmes de sucesso, antes de entrar em processo de depressão e falência.
Hoje, estamos diante de um novo cenário e um convênio no valor de R$ 156 milhões. A prefeitura de São Bernardo assinou, há dois meses, contrato de concessão com a Telem S.A. (Técnicas Eletro Mecânicas), empresa da área de iluminação e cenotécnica, que está encarregada de revitalizar o antigo espaço. A reforma promete durar cinco anos, com a primeira parte do projeto entregue em 2016.
Mais recentemente, a prefeitura de São Bernardo abriu as portas da Companhia Vera Cruz para apresentar o novo projeto de revitalização. A cerimônia foi aberta, a princípio, às autoridades, produtores e atores, entre eles o filho adotivo de Mazzaropi, André Luiz Mazzaropi.
Lá, os convidados puderam ter uma noção do que será feito no local, para que o espaço, novamente, esteja relacionado às grandes produções audiovisuais do País, agregando visibilidade ao município, com o objetivo de desenvolver o setor econômico com a criação de emprego e renda, além de ser referência como polo de produção cinematográfica.
A solenidade foi realizada em 6 de agosto e, no dia seguinte, aberta ao público e curiosos que gostariam de entender de que forma o projeto será colocado em prática. Oportunidade única, já que o local permanecerá fechado até o término das obras.
O QUE PODEMOS ESPERAR?
Conforme anunciado pela assessoria de imprensa da prefeitura, o montante investido para projeto de revitalização consiste em criar sete estúdios, salas de pré e pós-produção, estacionamento, teatro com 850 lugares, cinema digital para 100 pessoas, espaço de convivência e o Memorial da Companhia Vera Cruz, com acervo iconográfico adquirido da família Khouri e peças pertencentes ao município.
O local possuiu área de 45.600 m², sendo que a empresa detentora da obra anunciou que a arquitetura original do espaço permanecerá. Também faz parte das mudanças, transferir o CAV (Centro de Audiovisual), hoje localizado no Bairro Planalto, para o Complexo Vera Cruz e passará a ser custeado pela empresa concessionária, permitindo maior capacidade de atendimento.
Outra novidade será a criação da Incubadora de Empresas para incentivar e fomentar o setor audiovisual na cidade. De acordo com informações da administração, a empresa poderá explorar comercialmente o empreendimento e deverá realizar, também, a manutenção do complexo. O papel da prefeitura será gerir programas de formação e fomento da cadeia local de audiovisual, com incentivo à participação dos munícipes no processo.
PASSADO QUE SE FAZ PRESENTE
Grandes nomes da televisão tiveram início na companhia Vera Cruz, entre eles, Tônia Carrero, que brilhou no cinema e no teatro. A artista ficou conhecida, não só pelos 19 filmes, 17 telenovelas e por dezenas de vezes ter subido aos palcos Brasil à fora, mas pela maneira sincera que lidava com o público, com frases e declarações polêmicas. Quando iniciei as pesquisas sobre a empresa Vera Cruz, Tônia já estava afastada da televisão e, hoje, com seus 93 anos de idade, deixa saudade e um legado extraordinário.
Engana-se quem pensa que Tônia, depois de anos de carreira, foi a única artista que preferiu o anonimato. Pelo contrário, a atriz dizia que enquanto corresse sangue em suas veias, atuaria. Contudo, tive a oportunidade de conhecer a primeira atriz do Vera Cruz que, mesmo sendo uma bela mulher, cercada de uma vida confortável, decidiu seguir outros rumos, longe da carreira no cinema.
Ela é moradora da cidade de Pirenópolis, Goiás, e está com 87 anos de idade. Talvez, as pessoas que a vê passeando pelas ruas do pequeno município, não se deem conta de que se trata de alguém que contribuiu, e muito, para o cinema nacional.
Eliane Lage, filha de pai brasileiro e mãe britânica, dedicou boa parte da sua vida a pessoas carentes. A vontade de se tornar enfermeira e de fazer mais pelo próximo fez com que ela saísse do País e fosse estudar na Inglaterra. De lá, se instalou em outros países e chegou a prestar ajuda em um campo de concentração grego durante a guerra.
O retorno ao Brasil, na década de 1950, fez com que ela passasse longa temporada na casa de Yolanda Penteado – mais conhecida como a princesinha do café, membro da tradicional da aristocracia brasileira – que Eliane considerava ser sua madrinha, além do padrinho Francisco Matarazzo Sobrinho, mais conhecido como Ciccillo, uma das pessoas mais influentes do Brasil na época.
A primeira reunião aconteceu durante um almoço na casa da família, onde estavam reunidos o diretor e ator Tom Payne, o empresário e produtor Franco Zampari, o diretor e roteirista Alberto Cavalcanti, entre outros sócios e membros do projeto. Durante as discussões do primeiro filme a ser produzido, “Caiçara”, pairava a discussão de quem o grupo convidaria para ser a grande atriz do longa metragem.
Foi nesta ocasião que Tom Payne citou o nome de Eliane Lage, que não tinha pretensão alguma de ser atriz, mas topou o desafio, já que o convite foi feito por alguém que despertou sua atenção. Naquele dia, janeiro de 1950, Eliane e Payne trocaram olhares e, mais tarde, trocariam alianças, mas isso é assunto para outra pauta.
PRODUÇÃO E DEPRESSÃO
O filme “Caiçara” foi dirigido pelo Italiano Adolfo Celi e filmado em Ilhabela, litoral de São Paulo. Mas o reconhecimento internacional, que os empresários tanto esperavam, veio através da produção “O cangaceiro”, premiado no Festival de Cannes. Entre outros longas-metragens produzidos pela Vera Cruz, de 1950 a 1954, destaca-se “Tico Tico no Fubá”, “Sai da Frente”, “Sinhá Moça”, “Floradas na Serra”, e “O Sonho Continua”.
Podemos dizer que a companhia atingiu seu auge com a descoberta de Amácio Mazzaropi, considerado um dos atores mais expressivos do Brasil, lançando personagem que ficou conhecido por Jeca Tatu, de atitude ingênua e vida humilde. Protagonista de seus filmes, o artista também acumulou funções de produtor e roteirista. Com as dificuldades da companhia, Mazzaropi procurou outras produtoras e chegou a criar a PAM Filmes, no final da década de 1950.
Em meados 1953, a Vera Cruz fechava suas contas com saldo negativo e fazia empréstimo com instituições financeiras para sair do vermelho, o que dificultou ainda mais a situação. Chegaram a fazer empréstimo no montante de R$ 100 milhões de cruzeiros, considerado valor altíssimo para a época. Infelizmente, o sucesso dos filmes e dos artistas não foi suficiente para salvar a companhia, que chegou a arrecadar 200 milhões de dólares.
Os motivos eram muitos, sendo um deles a falta de incentivo do próprio governo. Os distribuidores e os exibidores ficavam com mais de 60% da arrecadação dos filmes. Havia a dificuldade de colocar as produções nacionais diante do mercado competitivo das produções internacionais. Além disso, o preço dos ingressos das salas de cinema era tabelado e havia concorrência desigual com produções estrangeiras.
Hoje, o sonho de uma nova Vera Cruz ressurge diante de muitas histórias de sucesso e fracasso. Vamos acompanhar as cenas dos próximos capítulos na vida de uma nova companhia. Enquanto isso, em breve divulgaremos entrevista com a primeira atriz da Vera Cruz, Eliane Lage. Aguardem.