Nesta última semana, a comunidade LGBT dos Estados Unidos, e do mundo, comemoraram uma grande vitória. O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado em todo o território estadunidense. Esta foi a ponta do iceberg que só emergiu fora da água neste ano. A luta por direitos iguais, independente da sua orientação sexual, data de muito antes.
No livro “O Poder do Hábito”, de Charles Duhigg, ele cita que, nos anos 1960, as organizações de defesa dos direitos dos gays começaram a fazer campanhas contra a homofobia. Infelizmente todo o esforço deles gerava apenas uma série de intermináveis fracassos. Uma das metas mais audaciosas era convencer a Associação Psiquiátrica Americana a parar de definir a homossexualidade como um distúrbio mental.
Percebendo que não poderiam conseguir atingir meta tão audaciosa de uma vez só, eles começaram aos pouquinhos. A Força-Tarefa sobre Libertação Gay da Associação de Bibliotecas Americanas decidiu focar em convencer a Biblioteca do Congresso a reclassificar os livros sobre o movimento de libertação gay, da seção HQ 71-471 (“Relações Sexuais Anormais, Incluindo Crimes Sexuais”) para outra categoria menos pejorativa. Em 1972, a Biblioteca do Congresso concordou em fazer a mudança, reclassificando os livros numa categoria recém-criada, HQ 76.5 (“Homossexualidade, Lesbianismo — Movimento de Libertação Gay”).
Segundo Duhigg, foi uma pequena alteração num velho hábito institucional referente ao modo como os livros eram classificados, porém o efeito foi enorme. Notícias sobre a nova política se espalharam pelo país. No ano seguinte, enfim, a Associação Psiquiátrica Americana reescreveu a definição de homossexualidade de forma que não fosse mais um distúrbio mental. A primeira das grandes vitórias havia sido, enfim, alcançada.
Mas não podemos nos esquecer de outras vitórias que não foram alcançadas de forma tão pacífica. Muito sangue teve que correr antes da conquista da liberdade quase plena que os Estados Unidos gozam hoje, em que cada indivíduo tem o direito de expressar sua sexualidade. Vamos falar da Rebelião de Stonewall, há exatos 46 anos.
No início dos anos 1960 ser homossexual ainda era crime nos Estados Unidos, passível de prisão, trabalhos forçados, castração química e até pena de morte – institucionalizada ou não. Como eram considerados bandidos, não havia nenhuma lei que protegesse os homossexuais das agressões e do assédio da polícia. Assassinatos de gays sequer eram investigados, considerados como “resultado da vida de perversão”. Naquela época, a polícia fazia o que queria.
Em Nova Iorque, havia um bairro conhecido por ter vários bares gays – localizado em Greenwich Village. A comunidade se reunia ali na tentativa de ficar entre os seus. Porém, frequentemente a guarda aparecia nestes bares, confiscava bebidas, realizava agressões e prisões aleatórias. E ninguém tinha coragem de lutar contra eles.
Porém, na madrugada do dia 28 de junho de 1969, eles decidiram realizar sua batida no bar gay chamado Stonewall. Este era um dos pontos favoritos de ataque da polícia na época, pois dizia-se que o dono era membro da máfia local.
Sem nenhum respeito, os oficiais anunciaram que fechariam o estabelecimento, confiscariam as bebidas e que ainda iriam investigar as pessoas de cross-dressing para verificar qual era o verdadeiro sexo delas – entre outros absurdos. As pessoas presas foram colocadas para fora do bar e começaram a se agrupar às centenas. Vários camburões teriam que ser chamados para conseguir levar tanta gente. Porém, uma reação em cadeia estava começando: pessoas estavam se agrupando ao redor de Stonewall.
Aos poucos, algumas pessoas começaram a gritar palavras de ordem como “Gay Power!” e a cantarem canções de incentivo à comunidade, como “We Shall Overcome”. Então uma mulher algemada, que já havia escapado das mãos dos policiais várias vezes, começou a lutar e a se debater. Ela já havia sido atingida pelos cacetes várias vezes, mas ainda continuava a brigar. Então, segundo testemunhas, ela teria gritado: “Por que vocês não fazer alguma coisa?!” Então as coisas saíram do controle.
A polícia tentou conter a multidão. Alguns dos algemado escaparam. Quando o camburão que ainda estava no local começou a ser virado pelas pessoas, o inspetor de polícia tentou chamar outras viaturas. A comoção atraiu mais pessoas que entenderam o que estava acontecendo. Alguém na multidão declarou que o bar tinha sido invadido porque “eles não queriam mais pagar os policiais”.
Uma chuva de latas de cerveja foi jogada contra os oficiais, que correram para dentro do bar para se proteger. Latas de lixo e pedras foram atiradas pelas janelas e as pessoas começaram a invadir o bar para pegar os policiais, que reagiram com tiros. A multidão, que deveria ser em torno de 500 pessoas ou mais, também improvisou armas com paus e fluídos de isqueiro.
A Força de Polícia Tática de Nova York chegou para tentar liberar os policiais, mas eles ainda estavam em desvantagem numérica. Testemunhas diziam que viam policiais perseguindo os gays numa rua e depois eles mesmo sendo perseguidos pela multidão na outra.
Às quatro da manhã daquele dia, a rebelião havia terminado. Mas ainda haveria outros conflitos nas noites seguintes. Stonewall ficou completamente depredada e as notícias sobre o que havia acontecido se espalharam na mídia e na boca do povo feito pólvora. Várias pessoas, entre gays e simpatizantes, se reuniram em prol da causa e mais violência aconteceu – mas, ao mesmo tempo, marchas e protestos bem-organizados e pacíficos também começaram a se espalhar.
Dentro de dois anos dos motins de Stonewall, havia grupos de direitos gays em cada grande cidade norte-americana, assim como Canadá, Austrália e Europa Ocidental. Lilli Vincenz, uma das testemunhas do ocorrido, disse: “Ficou claro que as coisas estavam mudando. As pessoas que sentiam oprimidas agora se sentiram motivadas”.
Esta rebelião espontânea foi uma das muitas que marcaram os anos 1960, não só nos Estados Unidos, mas no mundo. Época em que os ânimos das pessoas de vários grupos segregados (negros, mulheres, gays, etc) realmente começaram a se inflamar após tantos séculos de repressão. E a aprovação do casamento gay nos Estados Unidos neste ano de 2015 é um fruto tardio desta época.
Porém, vale lembrar que a vitória final sobre a igualdade ainda não está completa. Enquanto notícias de que “fulano se declara gay” continuarem a ser notícia (e não visto como a coisa mais natural do mundo, como “fulano se declara heterossexual”), ainda haverá espaço para o preconceito. Não apenas entre a comunidade LGBT, mas também entre negros, mulheres, asiáticos, obesos, nerds ou qualquer grupo que seja alvo de chacota ou desrespeito.
O incômodo com o que os outros fazem de suas vidas será sempre um reflexo do próprio incomodado. Pessoas felizes e bem resolvidas não têm sequer tempo para serem preconceituosas. A felicidade e a aceitação (inclusive de si mesmo) sempre serão o remédio definitivo contra o ódio.
Apaixonada pelo site! Outra matéria super interessante que nos mostra o quanto evoluímos e o quanto ainda há para evoluir. Não tinha ideia do quanto a luta era antiga, mesmo porque na década de 90, tenho várias memórias de atos preconceituosos, inclusive partindo de mim, crescida em uma família onde a educação tinha princípios homofóbicos. Ainda bem que o tempo faz amadurecer, pelo menos no meu caso. Parabéns!
Muito obrigada pelo comentário, Gleice. Realmente, as conquistas de hoje não são a toa. Muita história de luta, né? Abraços,