Um dos assuntos nos quais todo são bernardense, principalmente os mais velhos, têm muito orgulho de comentar é o da Cia. Cinematográfica Vera Cruz. Apesar de extinta, seu prédio é tombado como referência da memória artístico-cultural do ABC e do Estado de São Paulo e até hoje é utilizado como estúdio para produções audiovisuais famosas por outras produtoras.
A Cia. tem muita nostalgia envolvida, foi de lá que saíram os filmes de Mazzaropi e maior parte das cenas de O Vigilante Rodoviário, série que foi transmitida pela TV Tupi nos anos 60. Ainda, quem morava em São Bernardo podia ver de perto as gravações externas, principalmente as da novela Redenção, da TV Excelsior, que tinha sua própria cidade cenográfica (esta tem uma história a parte que será contada mais abaixo).
Início
Na segunda metade dos anos 40, o estado de São Paulo passava por uma efervescência cultural devido ao fim da Segunda Guerra Mundial e a ditadura do Estado Novo. No meio de tantos eventos artísticos e inaugurações de entidades como o Museu de Arte Moderna e o MASP, o empresário italiano Franco Zampari, que era radicado no Brasil, fundava, em 1948, uma companhia teatral de alto nível chamada Teatro Brasileiro de Comédia.
Mas, observando que o interesse pelo cinema também crescia, até mais ainda que o próprio teatro, Zampari, que não entendia muito da modalidade, decidiu abrir a Cia Cinematográfica Vera Cruz juntamente com o já renomado produtor cinematográfico Alberto Cavalcanti, que tinha fama e experiência com o cinema inglês. Para isso, eles precisavam de um terreno amplo e mais isolado, e o escolhido foi a antiga granja da Família Matarazzo na cidade vizinha e então rural São Bernardo do Campo.
Seus primeiros filmes lançados foram os longas Caiçara e Terra é sempre Terra e os curtas Painel e Santuário, todos de 1950. Já em 1951, os dois sócios começaram a ter desavenças por conta da ambição de Cavalcanti em fazer a companhia atingir padrões internacionais, o que elevava consideravelmente os custos das produções e, então, o produtor foi substituído por Fernando de Barros, experiente no cinema carioca e que tinha a função de diminuir estes gastos.
Ascensão e queda como produtora cinematográfica
Suas atividades como produtora de cinema duraram poucos anos, de 1949 a 1954, mas causou uma grande revolução no cinema nacional, que até então era resumida às chanchadas com qualidade técnica precária e apelo popular duvidoso. Com a Vera Cruz, os filmes tinham um padrão inspirado nos cinemas de outros países, principalmente no italiano e inglês, mas traziam temas ligados a cultura brasileira, rendendo à companhia o lançamento de alguns de seus filmes no exterior e premiações como a de Cannes e Veneza. O título de maior destaque da companhia é O Cangaceiro, de 1953, que era uma espécie de western com elementos nordestinos.
Entretanto, apesar do sucesso de seus filmes lá fora, sua linguagem não apelativa, aliada à concorrência do cinema internacional, não atraía a grande massa brasileira, fazendo com que o dinheiro arrecadado nas bilheterias do país não suprisse os altos custos das produções. Além disso, a distribuição dos títulos para o exterior pela Columbia Pictures fazia com que o dinheiro da bilheteria internacional não voltasse para a companhia. Tudo isso levou a Vera Cruz a passar por um endividamento irreversível, declarar falência e fechar suas portas como produtora cinematográfica.
Estúdios Vera Cruz e o surgimento de uma cidade cenográfica
Depois da declaração de falência e o fechamento de suas portas, os estúdios da Vera Cruz, que passaram a pertencer à prefeitura, ficaram parados por alguns anos até meados dos anos 60, quando ex-funcionários da Companhia Cinematográfica e da também extinta Maristela Filmes decidiram produzir a série O Vigilante Rodoviário para a TV Tupi e aproveitar a estrutura da antiga produtora para a gravação das cenas internas.
Essa ideia pegou e várias outras produtoras passaram a alugar o espaço histórico para as suas produções, sendo a TV Excelsior a que mais utilizava para as suas novelas. Foi graças a essa emissora que os estúdios da Vera Cruz ganhou um anexo para filmagens externas – uma pequena cidade cenográfica com ares de épocas bem mais antigas, onde a Maria Fumaça era o principal meio de transporte, feita especialmente para as gravações externas da novela Redenção.
Essa cidade cenográfica ficou muito famosa durante a exibição da novela e muitos moradores de São Bernardo iam lá visitar em dias que não aconteciam as gravações. Mesmo com o fim da novela as visitas continuaram e, portanto, a prefeitura decidiu transformá-la em um ponto turístico com ares de parque de diversões, mas sem desfigurar suas características originais. Ei, leitor, se você viveu sua infância até os anos 90 em São Bernardo, com certeza deve ter passeado muito pela Cidade da Criança sem imaginar que lá rolou a gravação de uma novela!
Espaço para exposições e eventos e o retorno do audiovisual
O estúdio da Vera Cruz foi usado para o audiovisual até 2003 com as gravações do filme Carandiru. Logo após isso, a prefeitura transformou o espaço em um centro de exposições e eventos públicos, renomeando de Pavilhão Vera Cruz. Mas, em 2017, suas atividades ligadas ao audiovisual foram retomadas em paralelo com as exposições, ganhando assim um novo nome – Pavilhão e Estúdio Vera Cruz. Hoje o Estúdio tem uma parceria com a Band e abriga produções da emissora, como o Master Chef.
