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Depilação: a história racista por trás da cultura de remover os pelos do corpo

3 de abril de 2024, por Leila Benedetti
Lifestyle
Depilação

Há séculos que as mulheres são educadas à prática da depilação. Ao contrário do que se vê com os homens, aquelas que não raspam as axilas, pernas e partes íntimas são negativamente julgadas, consideradas relaxadas ou negligentes com a higiene e aparência. Hoje essa “obrigação” está sendo cada vez mais questionada, mas ainda é um tabu no qual tira a paz de todas.

Muitos associam essa “regra” ao machismo, mas isso é algo que vai mais além. A prática da depilação (que, aliás, não teria problema se não fosse algo considerado obrigatório) não exalta apenas este problema social, como também ao racismo. É comprovado que o ser humano tem, em média, cinco milhões de pelos pelo corpo, sendo que a espessura e a cor dos fios variam de uma pessoa para outra, nos dando a falsa ilusão sobre a quantidade de pelos – quanto mais finos e claros, menos perceptíveis. 

Depilação
(A depilação se tornou “exigência” por conta de uma teoria racista surgida no século XIX. | Foto: Reprodução)

Um conceito equivocado que surgiu no século XIX

Fora as questões genéticas e hormonais, esses fatores são também influenciados pela origem racial. Um exemplo disso são os asiáticos, no qual os pelos são espessos e escuros, dando a sensação de terem mais do que aparenta. Entretanto, a nata da sociedade americana do século XIX, formada em sua maioria por homens brancos, incluindo cientistas, distorceu a teoria de Darwin alegando que as raças estão relacionadas com a evolução humana, onde aqueles com pelos mais espessos são considerados “selvagens” e estão mais pertos dos outros animais do que das pessoas brancas “evoluídas e civilizadas”. 

E aí entra a opressão sobre a estética feminina, este mesmo grupo criador do equívoco acima alegou que havia diferenças gritantes entre homens e mulheres no meio do público “branco civilizado”. Segundo ele, a mulher “evoluída” é mais “peluda” em relação ao homem “evoluído”, o que poderia afetar a “preservação da raça branca”, assim como a “saúde da civilização”, já que as pessoas não-brancas e, logo, “selvagens” eram culturalmente associadas com a sujeira. 

Depilação
(Entre os brancos, a depilação tinha um motivo sexista por trás. | Foto: Reprodução)

Conceito este que encadeou mais problemas além da segregação racial

Ainda um pouco mais para o final do século, a American Dermatological Association começou a se preocupar com a hipertricose, uma condição hormonal que faz a pessoa ter excesso de pelos no corpo, focando nas mulheres brancas. Essa condição logo foi encarado como uma doença e várias revistas (muitas delas femininas) promoveram campanhas que tratavam a depilação como um “remédio” contra este “mal que retrocede a evolução humana”, além de impor um padrão de beleza onde a mulher ideal deveria ser branca e sem pelos. 

Com isso, junto com esta ofensiva segregação racial, outros problemas foram surgindo. A procura desenfreada pela prática da depilação levou muitas pessoas a inventar técnicas nocivas de remoção dos pelos, como a feita por raio-x, por exemplo, que levou centenas ou milhares de mulheres à morte. Já quem era portador da hipertricose, se por algum motivo (talvez financeiro ou por não ser branco) não recorria à depilação, era colocado como exibição no circo dos horrores para reforçar que as pessoas brancas “civilizadas” já teriam passado deste estado “primitivo”. 

Depilação por raio X
(A busca desenfreada em evitar o “retrocesso da evolução humana” levou muitos a lançarem técnicas nocivas de depilação, como a feita por raio X. | Foto: Divulgação)

O conceito caiu, mas a cobrança por remover os pelos ainda continua

Não pensem que, só por ser um absurdo, esse ode racista pela depilação parou no século XIX. Isso foi continuado durante os primeiros anos de Guerra Fria, onde os pelos corporais eram associados a evidências de “contaminação” estrangeira, mas começou a decair ainda nos anos 40 com o crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, que desafiou a dominação econômica dos homens e a distinção entre os sexos. 

A partir da metade do século XX, os pelos mais espessos, que davam a ilusão de maior quantidade, deixou de ser associada à evolução humana, mas ainda é criticado nas mulheres, retratando-as como socialmente fracassadas. Houve a forte influência do movimento hippie, onde as mulheres eram contra a depilação, e o movimento feminista atual também questiona a cobrança de remover os pelos, mas as mulheres, até mesmo as não-brancas, continuam sendo mal vistas se deixarem um fiozinho a mais de sombrancelha à mostra. 

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