Imagine que estamos no ano 1953 e você é um rapaz de vinte anos recém completos. Você tem uma vida “normal”: pai e mãe da classe trabalhadora, os quais ficam repetindo que você deve casar com uma boa moça e que deve casar logo; você acabou há pouco o seu ensino médio (ou está finalizando); todos os garotos vestem calças de tecido e camisas de botão com gravata; você vai ao cinema e lá só há Clark Gable com sua “voz de homem”.
O que você tem é uma típica vida dos anos 1950, ou, como eu prefiro chamar, a típica opressão silenciosa da família, do governo e da sua igreja, que você frequenta aos domingos porque seus pais obrigam. Você sente que algo precisa mudar. Melhor, você sente que algo está pra acontecer, só não sabe o que é nem como vai chegar.
Um belo dia você se depara com um cartaz diferente na vitrine do cinema da cidade. Vê um cara bem mais novo que o Clark Gable, trajando uma jaqueta de couro que você nunca viu na vida, montado em uma motocicleta. “Que diabos é isso?” é a pergunta que salta em sua mente. O coração bate mais forte e aquela sensação de que algo estava para acontecer finalmente aconteceu. “Quem é esse ator?” você se pergunta ansiosamente. Logo abaixo da foto está o nome que mudou para sempre o significado de “rebelião” e o curso dos próximos séculos: Marlon Brando.
No mundo Pós-Guerra, onde casar, se matar de trabalhar pra garantir o sustento em um emprego mediano, ter dois ou três filhos e quem sabe uma folga no domingo era o grande objetivo da maioria dos jovens.
Quando Brando, interpretando Johnny Strabler, um líder de uma gangue de motoqueiros (não um motoclube), apareceu na tela com jaqueta de couro, calças jeans, montado em uma Triumph Thunderbird, ele tornou-se automaticamente o primeiro ídolo rebelde juvenil da História, seja ela do cinema ou fora dele. Mas o principal não eram suas vestimentas, pois de que adianta fantasiar alguém que não combina com aquilo? O principal era a sua atitude de “bad boy”.
Anterior a Brando, o estereótipo de atores de sucesso era que fossem homens com voz grossa, cheios de postura enrijecida e “provedores”. Como o próprio Marlon Brando dizia: “Quando você assistia Clark Gable era fantástico, mas você sabia o que ele iria fazer na próxima cena”. Ou seja, todos eram iguais e previsíveis.
Brando, seja em seu papel de Johnny Strabler (e, como não existem coincidências, Marlon também andava de motocicleta muito antes do filme ser feito), seja em seu papel de Stanley Kovalski em Um Bonde Chamado Desejo, era totalmente imprevisível e relaxado. O bad boy apareceu pela primeira vez e seu discurso não pronunciado era: tenha raiva desse maldito sistema em que fomos forçados a viver mas fique frio, permaneça calmo e rebele-se.
A partir de Marlon Brando outros ídolos juvenis passaram a seguir seus passos: James Dean, Elvis Presley, Paul Newman... todos eles idolatravam a figura do bad boy criada e mostrada de forma tão crua e espontânea pelo que hoje é considerado o maior ator de todos os tempos. A diferença é que Dean, principalmente, assim como Brando, não estavam somente atuando, estavam levando suas vidas e as angústias de uma geração às telas.
Retornando a sua vida em 1953, você decide assistir àquele filme, chamado de O Selvagem. Você, pela primeira vez na vida, é representado. Ele é calmo, tem uma postura relaxada e bate de frente com toda a ideia de vida que os adultos têm pra você. Como não se sentir mexido com isso? Como sair do cinema da mesma forma que entrou?
Se pararmos por um momento e analisarmos friamente veremos que o mundo pode ter mudado em seu exterior. No entanto, a ideia de casar, ter filhos, se matar trabalhando em um emprego que você não gosta e morrer ainda está impregnado na sociedade (seja na ocidental ou, de outra forma, na oriental).
É incrível como sete décadas após o lançamento de O Selvagem, o que Marlon Brando representa ainda é válido e os questionamentos que Johnny Strabler fazia no filme ainda são pertinentes. O próprio ator afirmou em sua autobiografia, Songs That My Mother Taught Me (1994), que “há uma fala minha no filme em que eu digo ‘ninguém me diz o que fazer’. É exatamente como eu me sentia a vida toda!”.