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Pornochanchada, o gênero brasileiro que desafiou a censura em pleno regime militar

15 de fevereiro de 2023, por Leila Benedetti
Cinema & TV
Pornochanchada

Os próprios conservadores, que abominavam (e ainda abominam) a Pornochanchada, ajudaram com o surgimento do tal gênero cinematográfico sem perceber. O que é chamado por eles como “baixaria”, na verdade, foi uma forma dos cineastas protestarem contra a censura do governo militar

No início do regime, os militares fizeram o público pensar que tudo andava às mil maravilhas, o que acabou batizando esse período como “milagre econômico”. Mas quando tudo veio à tona entre os anos de 1967 e 1968, a classe artística resolveu se manifestar por meio de suas obras. Portanto, em 1969, o cinema trouxe para as suas salas o tão polêmico gênero, que teve seu auge nos anos 70.

As características da Pornochanchada 

Como diz aquele ditado “arte foi feita para chocar o público”, a Pornochanchada fazia altas críticas ao regime e abordava questões como misoginia, racismo, elitismo e até mesmo aborto, greve e separação usando como pano de fundo o humor escrachado e o teor erótico, este último sempre confundido com o pornô e o sexo explícito, sendo que o que se via ali era apenas nudez. Inclusive, o próprio nome do gênero surgiu de forma equivocada, conforme explica Fernanda Pessoa, diretora do documentário Histórias que o Nosso Cinema (não) Contava, lançado em 2018.

“Quem inventou esse termo foram os críticos, os próprios diretores nunca gostaram muito do nome. Foi inventado por volta de 1973 para falar de filmes eróticos que estavam começando em 1969, como Os Paqueras e Adultério à brasileira, e passaram a usar o termo para denominar uma série heterogênea de filmes. Vários não eram nem comédia – porque a Pornochanchada nasce como as chanchadas dos anos 50, seria comédia ou musical – e começam a chamar filmes que têm conteúdo erótico ou social como ‘pornô social’, ‘pornô drama’, ‘pornô político’…Se tem mulher pelada, vira ‘pornô’”, conta a cineasta.  

Cada Um Dá o que Tem
(Cartaz de Cada um Dá o que Tem, com Eva Wilma, de 1975. | Foto: Reprodução)

Além disso, o apelo popular e polêmico desses filmes aumentava com a linguagem dos diálogos de seus personagens, que era rústica, com palavrões e palavras ditas de forma incompleta, para despistar a censura da época. Filmes como Memórias de um Gigolô (1970) e Cada um Dá o que Tem (1975) são alguns dos exemplos, que podem ser encontrados gratuitos e completos no Youtube ou em sites de streaming não oficiais.  

Para completar, seu elenco também era de peso e formado por atores e atrizes que, hoje, são bem conhecidos. Musas como Vera Fischer, Regina Casé, Christiane Torloni, Andréa Beltrão, entre outras, estrearam nas câmeras através da Pornochanchada e fizeram a cabeça do público masculino. Já os atores que atuaram com elas nesse período são Nuno Leal Maia, José Lewgoy e o de maior destaque David Cardoso.   

Repercussão e sucesso comercial um tanto curiosos 

Claro que um gênero polêmico como a Pornochanchada carrega alguns fatos curiosos. A começar pela repercussão, estes filmes não agradavam nem a direita e nem a esquerda, apenas o público, que falavam mal dos filmes, mas continuavam assistindo mesmo assim.  

Enquanto os militares, apesar de aprovar a exibição, olhavam torto para os filmes por ir na contramão dos “bons costumes da família brasileira”, os intelectuais, que iam contra o governo, também não aprovavam por acreditar que estes eram alienantes e ajudavam a manter a ditadura no poder. O público que lotava as salas de cinema eram aqueles que não se importavam com política ou questões sociais e tampouco se atentavam com mensagens nas entrelinhas, mas criticavam por conta da nudez ou por causa da produção de baixo orçamento.

Os Mansos
(Os Mansos, de 1972, contava três histórias distintas sobre adultério. | Foto: Reprodução)

Outra coisa curiosa é uma das formas do gênero alcançar as grandes bilheterias. Os títulos de seus filmes eram carregados de duplo sentido, como em Os Mansos (1972), que, para os mais inocentes, parece abordar sobre pessoas pacíficas, mas, na verdade, é um compilado com três histórias distintas sobre adultério. Isso quando não vinham com títulos completamente diferentes do que prometia a sinopse, como em As Aventuras Amorosas de um Padeiro (1975), que, ao invés de contar sobre a vida afetiva de alguém que trabalha em uma padaria, é sobre uma moça que casa virgem e decide que não é aquilo que ela quer.

A tática dos títulos funcionava da mesma forma que as manchetes das matérias do tipo clickbait que circula pela internet hoje em dia. O filme era divulgado na mídia, a pessoa era atraída pelo seu título aparentemente inofensivo e, ao assistir no cinema, era pego de surpresa com seu enredo polêmico e completamente diferente do que prometia o título. Isso também funcionava para quem já entendia os trocadilhos logo de cara, pois se divertiam com o tom malicioso lá empregado. 

Decadência 

A Pornochanchada durou até o início dos anos 90, mas ela já estava apresentando sinais de esgotamento estético e econômico na década anterior. Nos anos 80, o Brasil estava passando por uma crise econômica e isso diminuiu a frequência do público no cinema em geral.

Fora isso, o pornô hardcore americano estava em alta no Brasil, ofuscando o “brilho” da Pornochanchada. Com isso, os produtores do gênero brasileiro passaram a apelar e criar filmes com sexo explícito. Mas perderam a maioria de suas atrizes mais conhecidas, que rejeitaram atuar nesse então novo gênero. O resultado foram produções com custo muito mais baixo e pior qualidade em comparação com as da Pornochanchada. 

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