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A história de Fats Domino, o segundo rock star que mais vendeu discos nos anos 50

11 de março de 2016, por Alex Valenzi
Música

A cidade de New Orleans, capital do estado norte-americano da Louisiana, tem muitas características marcantes, principalmente na gastronomia e cultura, mas nenhuma mais reconhecidamente importante do que sua música. Reverenciada pelo mundo a fora, produziu grandes artistas ao longo dos anos, desde a década de 30 até os dias de hoje, tais como Louis Armstrong, Louis Prima, Professor Long Hair, Allen Toussaint, Dr. John, Winston Marsailles, Harry Conick,Jr e muitos outros, mas nenhum tão representativo e marcante como Fats Domino.

Antoine “Fats” Domino Jr., que acaba de completar 88 anos, nasceu em 26 de fevereiro de 1928 num dos bairros mais pobres de New Orleans, o Lower 9th Ward – local de onde nunca havia saído até 2005, quando foi atingido pelo furacão Katrina. De uma família oriunda da cultura French-Creole, que tinha sua própria linguagem, a Louisiana Creole French (uma mistura de elementos da língua francesa com dialetos africanos, comum no sul e sudoeste da Louisiana no começo do século 20), Fats foi o oitavo filho de Antoine & Donatile Gros Domino.

Fats Domino criança

Fats Domino criança (Foto: Reprodução)

Seu pai era um conhecido violinista amador, o que fez com que o jovem Antoine Jr. – que veio ao mundo pelas mãos de sua avó, uma parteira e ex-escrava, numa  pequena casa de madeira de estilo conhecido como Shotgun House (porque, era tão pequena que se você desse um tiro de espingarda pela porta da frente, a bala sairia pela porta de traz) – , crescesse sempre com muito contato com a música.

No final dos anos 30, Fats passava seus dias pelas ruas do bairro, recolhendo ferro e outros objetos para vender ao ferro velho para ganhar uma média de 25 cents por dia, que, na época, era uma quantia até razoável. Durante este período, começou a ouvir Jukeboxes dos chamados Juke Joints, que eram, basicamente, uma das únicas formas de contato que os negros americanos tinham com a música, uma vez que ainda não existiam rádios de música negra, e muitos não tinham toca discos em casa.

O amor de Fats pela música refletia basicamente dos pianistas de Boogie Woogie, como Meade Lux Lewis, Pete Johnson e uma de suas maiores influências, o cantor e pianista Amos Milburn. Uns primos de fats possuíam uma Juke Joint, que tinha não só uma Jukebox, como uma Sounding Machine. Um luxo para a época, eram máquinas que, por 25 cents, podia-se assistir pequenos vídeo clipes cômicos, encenados ao som do R&B / Boogie Woogie da época. Um destes clips, que ficaram marcados para sempre na sua vida, era Lowdown Dog”, de Big Joe Turner e Pete Johnson, que Fats viria a gravar e sempre tocaria em seus shows.

Ainda no final dos anos 30, Domino conheceu uma pessoa que mudou sua vida, Harrison Verret, um músico, que mais tarde casaria com sua irmã e que tocava banjo e piano. Ele ensinou o básico do piano para Fats, com uma técnica bastante peculiar: colocando uma fita nas teclas com o nome de cada nota. Assim, aprendeu e ficou fascinado pelo instrumento, saindo da escola no quarto ano para tocar piano por mais tempo. Começou a trabalhar como entregador de barras de gelo, e sempre que ia fazer uma entrega em um bar que tinha um piano, logo dedilhava o instrumento. Muitas vezes, sumia por horas e, quando queriam achá-lo, bastava procurar por um piano que lá estava Fats.

Fats e Dave

Fats Domino e Dave Bartholomew (Foto: Reprodução)

Já na metade dos anos 40, começou a procurar por lugares para tocar e contou com a ajuda de Billy Diamond, que logo arrumou uma vaga para ele e sua banda, que tocava regularmente no Hideaway Club entre outros clubes de R&B em New Orelans. Em um destes bares, Fats conheceu a banda do trompetista Dave Bartholomew, em 1949, e logo fez amizade com o baterista Earl Palmer.

Um dia, na ausência de Dave, Earl chamou Fats para uma canja e acabou repreendido por Dave, dizendo que não mais fizesse isto. Porém, o garoto gordinho chamou sua atenção e pouco depois, quando o dono da Imperial Records de Los Angeles, Lew Chudd, estava na cidade para caçar novos talentos, Dave, que estava começando a sua carreira de A&R (produtor musical) na gravadora, o levou ao Hideaway para ver Fats.

Poucos dias depois Fats e Dave estavam no estúdio J&M de Cosimo Matassa, que era o único estúdio da cidade e logo se tornaria um celeiro de hits, não só para ele, mas todos os grandes artistas de New Orleans e de outros lugares, como Little Richard, que vinha atrás do mágico som de New Orleans e dos grandes músicos locais que viriam a se tornar referências, como Earl Palmer (bateria), Frankie Fileds (Baixo), Roy Montrel (guitarra) e Lee Allen & Herb Hardesty (sax). A música escolhida para a primeira sessão foi uma adaptação de um boogie de Champion Jack Dupree, “The Junker Blues”, que, inspirado por um herói do radio “Fatman”, ganhou nova letra e virou “They Call Me The Fatman”.

Dave, então, batizou Antoine de Fats Domino e o disco lançado no final de 1949 chegou ao segundo lugar na parada R&B em fevereiro de 1950: nascia assim uma lenda! Lew Chudd, com o sucesso imediato de Fats, logo agendou novas sessões de gravação e assim começaria a fantástica parceria de composições com Dave. Ele chegava com umas ideias básicas de letras e Dave ajudava a torná-las os clássicos que hoje conhecemos. De 1950 a 1954, Fats e Dave colocaram 14 canções no Top 10 das paradas de R&B, até que, em 1954, Fats se tornou o primeiro artista negro a fazer o chamado “Cross Over”, ou seja, conseguir colocar uma música de R&B no topo da parada Pop com a simples, porém clássica e imortal, “Ain’t That a Shame”, em quinto lugar.

Fats Domino nos anos 50 (Foto: Reproducão)

Fats Domino nos anos 50 (Foto: Reproducão)

Dali para a frente seria um hit após o outro, tornando Fats Domino o terceiro artista em vendas nos anos 50, atrás apenas de Elvis Presley e de Pat Boone (que conseguiu um primeiro lugar com uma versão insossa de “Ain’t that a shame de Fats”). Fats colocou 37 canções no top 40 pop da Billboard, sendo 10 delas no Top 10.

Sucessos como, “I’m in Love Again”, “My Blue Heaven” e “Blueberry Hill”, uma releitura de uma antiga canção do cowboy cantor Gene Autry, que chegou ao segundo lugar e que Fats sempre lembraria quando, em um encontro com Elvis, tocou-a para o Rei (que afirmou que Fats era o Rei do R&R) sete vezes antes que Elvis a gravasse. Além de “Blue Monday”, “I’m Walkin’”, “Valley of tears”, “The Big Beat”, “Whole Lotta Lovin’” e muitas outras.

Fats participou dos maiores shows de TV da época, como Dick Clarck, Ed Sullivan, Steve Allen, Perry Como, além de vários filmes como Shake Rattle & Rock (1956), The Girl can’t help it (1956), Jamboree (1957) e The big beat (1958). Durante o período de 1957 a 1959, era a principal estrela das grandes caravanas de Rock & Roll, comandando turnês ao lado de Little Richard, Chuck Berry, The Everly Brothers, Jerry Lee Lewis, Buddy Holly, etc, e nenhum destes grandes artistas chegava perto do número de vendas que Fats tinha. Em 1957, por exemplo, sua banda e ele viajaram mais de 30 mil milhas pelos Estados Unidos, fazendo um total de 355 shows e lotando todas as casas noturnas por onde ele passavam.

Por ser o primeiro artista a ser uma grande estrela, tanto para os negros como para os brancos, seus shows integrados racialmente eram muitas vezes marcados por brigas e confusões. Naquele tempo, devido aos problemas raciais nos Estados Unidos, Fats e sua banda, que viajavam em seu próprio ônibus (coisa rara até então), tinham sempre problemas para conseguir hotéis que aceitassem negros, tendo que as vezes sair 100 milhas do caminho para conseguirem lugares para dormir, mas, quando achavam, as festas no hotel regadas a muita bebida e garotas viravam a noite. Fats, porém, nunca gostou de viajar por conta de sua paixão por New Orleans e sempre contava os minutos para voltar para sua mansão ao lado de sua esposa Rosemary e seus 8 filhos, 4 mulheres e 4 homens – todos com nomes começando com a letra A.

Fats Domino e sua esposa

Fats Domino e sua esposa (Foto: Reprodução)

Em 1963, Fats saiu da gravadora Imperial, sendo contratado pela grande ABC Paramount, mas, com a chegada da Beatlemania, seus hits – bem como os de todos seus colegas de Rock & Roll – ficariam escassos. Diga-se de passagem, ironicamente, os mesmos Beatles eram seus fãs e, quando foram tocar em New Orleans, em 16 de setembro de 1964, tiveram um único pedido, conhecer Fats Domino, que prontamente aceitou o convite e foi encontrá-los no camarim do City Park Stadium.

Na ocasião, John disse que a primeira canção que aprendeu a tocar foi “Ain’t that a shame” e Paul revelou que o seu primeiro contato com o Rock foi através de “I’m In Love Again”. Então, eles fizeram até uma pequena Jam, acompanhando Fats em “Ain’t That a Shame”. Alguns anos mais tarde John e Paul fariam uma canção inspirada em Fats, chamada Lady Madonna que o próprio músico também viria a gravar em 1968.

Beatles e Fats Domino em Jam Session

Beatles e Fats Domino em Jam Session (Foto: Reprodução)

Durante a metade dos anos 50 até os fim dos anos 90, Fats se apresentou ininterruptamente pelos EUA e pelo mundo com seus shows sempre impecáveis e sempre com sua orquestra, que contava muitas vezes com o velho parceiro Dave Bartholomew e com alguns dos grandes músicos de estúdio citados anteriormente, mas que viviam a ser trocados constantemente por problemas de falecimento por overdose de drogas como heroína. Entre eles, o guitarrista de longa data e também cantor, Roy Montrell (que gravou a original de “That Mellow saxofone”, conhecida pelos Stray Cats). Roy foi encontrado morto em seu quarto de hotel, em Amsterdam, com uma seringa espetada no braço, em 16 de março de 1979, após um show com Fats, que sempre se manteve longe das drogas.

Fats passou também por gravadoras como Mercury, Reprise (de Frank Sinatra) e Warner, onde, em 1980, lançou um novo hit, a bela balada “Whiskey Heaven”, que fazia parte da trilha do filme Any Wich Way You Can, com Clint Eastwood. Isso foi responsável por revitalizar sua carreira, levando-o a participar de programas como Tonight show, entre outros, e continuando suas turnês pelo mundo. Em 1995, Fats – que sempre levava panelas e ingredientes para as turnês, aonde cozinhava suas próprias refeições nos quartos de hotel – cancelou no meio uma tour na Europa, devido a problemas respiratórios. Esta seria sua última apresentação na Europa e, de lá até o começo dos anos 2000, seu número de apresentações seria cada vez menor, pois Fats ficava cada vez mais ficava relutante em deixar sua amada New Orleans.

Fats Domino

O velho Fats Domino (Foto: Reprodução)

Em 2005, seus fãs ao redor do mundo tomaram um grande susto com a notícia de que Fats Domino e sua esposa de mais de 50 anos haviam sumido na enchente decorrente do grande furacão Katrina, até que, alguns dias depois, a família foi retirada sã e salva de sua mansão, que ficou totalmente destruída, bem como o escritório de sua editora no prédio anexo e seu belo grand piano Steinway, que hoje se encontra em exposição num museu, na mesma posição em que foi encontrado. Fats e sua esposa mudaram-se, então, contra a vontade, para uma nova e confortável casa numa região mais nobre de New Orleans.

Em 2007, o músico fez aquele que seria seu último show, no Tipitina’s, em New Orleans (disponível em DVD sob o titulo de “Walkin’ Back to New Orleans”), um show impecável que fechou uma brilhante carreira com chave de ouro. Em 2008, sofreu outro grande golpe ao perder sua querida esposa Rosemary Domino. Por volta desta mesma época foi revelado pela família que, infelizmente, Fats sofria dos estágios iniciais de Alzheimer, mas, mesmo assim, continuaria fazendo esporádicas aparições públicas, como seu reencontro com Dave Bartholomew, em 2011, em sua casa, documentado por um canal de TV, depois de os dois ficarem alguns anos sem se falar. Além de suas participações na série de tv “Treme”, em 2012, onde até tocou um pouco de “Fat Man”, e na première do documentário Big Beat, em 2014, ao lado de Dave já com 94 anos.

Fats foi introduzido na primeira turma do Rock & Roll hall of Fame, em 1986, por Billy Joel, e ganhou o Grammy Lifetime Achievement em 1987. Hoje, aos 88 anos, continua bem, apesar da doença, como mostram fotos da recente comemoração de seu aniversário em sua casa. Ainda, esporadicamente, recebe fãs e amigos (como sempre fez) e, por vezes, até toca um pouco de piano.

O músico merece ser pra sempre lembrado como uma das maiores e mais carismáticas (e humildes) estrelas de todos os tempos. Seu grande legado pode ser encontrado em diversos materiais, como a caixa de 8 CDs da gravadora alemã Bear Family, que conta com todas as suas gravações da fase Imperial, além de um box com 3 CDs Original ABC Paramount Recordings, inúmeros discos de vinil, um álbum de natal “Christmas is a special day”, de 1993, e o álbum Alive & Kickin, lançado em 2006, com gravações recentes. Vida longa ao Fatman!

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