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Como Mazzaropi inspirou a novela ‘Êta Mundo Bom!’ da TV Globo

21 de janeiro de 2016, por Letícia Magalhães
Cinema & TV

A história de busca das origens é universal. O órfão que foi adotado e não se ajusta à família sai de casa para procurar seus pais biológicos, e quase sempre tem uma surpresa ao descobrir sua origem nobre. No meio da jornada, o herói enfrenta obstáculos, conhece curiosos personagens, entre aliados e adversários, e finalmente triunfa. É um dos enredos mais antigos do mundo, estando presente desde Moisés até Star Wars, passando pelo Patinho Feio e a Bela Adormecida. E é também o mote para a novela das seis, “Êta Mundo Bom!”.

Como nas artes nada se cria, tudo se transforma, a história de Candinho e companhia não tem nada de nova. Os personagens são velhos conhecidos do público, tendo surgido no conto “Cândido ou O Otimismo”, do iluminista Voltaire, e foram adaptados para a realidade rural brasileira em um filme de um dos campeões de bilheteria do nosso cinema: Mazzaropi.

Mazzaropi como Candinho e o burro Policarpo (Foto: Reprodução)

Mazzaropi como Candinho e o burro Policarpo (Foto: Reprodução)

No ano de 1926, chega à fazenda mineira Dom Pedro II um menino numa cesta. Ele é acolhido pela família e batizado de Candinho. Mas a adoção não significa que ele terá uma criação privilegiada: com o nascimento dos filhos do dono da fazenda, Candinho deixa de receber toda a atenção e se torna empregado da família.

Passam-se 23 anos e estamos em 1949. Candinho (Mazzaropi) faz todo o trabalho duro da roça, enquanto o pai de criação ainda vive das glórias dos tempos do Império. Candinho é apaixonado pela sua irmã de criação, Filoca (Marisa Prado) e, quando o pai descobre esta paixão, o manda embora. Candinho decide que é hora de procurar sua mãe biológica, sendo sempre guiado pela máxima do professor Pancrácio (Adoniran Barbosa), amigo da família: tudo o que acontece é para melhorar a vida da gente (ou, no original de Voltaire, “Tudo é para o melhor neste melhor dos mundos”).

Sergio Guizé como Candinho e o burro Policarpo

Sergio Guizé como Candinho e o burro Policarpo na novela Êta Mundo Bom! (Foto: Reprodução)

A São Paulo que impressiona Sérgio Guizé no folhetim das 18 horas é tão assustadora quanto a presente na montagem da metrópole do filme dos anos 50, e é cena repetida quase diariamente com forasteiros que chegam de longe e se veem no meio do labirinto de arranha-céus. A casa de shows, ou Taxi Dancing na novela, vira o refúgio de Filoca na metrópole, e no filme conta com a apresentação do grupo divertidamente batizado de “As Irmãs Sisters”. E o amigo de desventuras de Candinho continua sendo o vendedor Pirulito, que se tornou criança na novela para garantir uma dose de espontaneidade e fofura.

Capa do filme "Candinho" de Mazzaropi, 1954

Capa do filme “Candinho” com Mazzaropi, 1954 (Foto: Reprodução)

O filme envelheceu mal. A sequência do sanatório, quando Candinho chega à cidade, jamais seria feita em tempos em que impera o politicamente correto, e vê-la hoje nos dá certo desconforto. Logo em seguida, Candinho aborda uma mulher na rua e vemos que o filho dela está com um revólver de brinquedo, “presente” hoje considerado abominável, mas que era comum há mais de meio século. Ela não é a única criança a empunhar uma arma, pois um garotinho mimado estoura vários dos balões que Candinho vende com uma espingarda.

Candinho foi apenas o terceiro filme de Mazzaropi, que já trabalhara no circo, no rádio e na televisão, e fez rápido sucesso no cinema. E foi também a primeira vez que ele interpretou um caipira nas telas, persona que se tornaria sua marca registrada, reforçada a partir de 1960 com “Tristeza do Jeca”. Claro que um filme de uma hora e meia de duração não garante material suficiente para uma novela a ser exibida durante alguns meses. Os personagens principais são os mesmos, mas tramas paralelas foram criadas pelo autor Walcyr Carrasco, e até uma radionovela foi inserida dentro da novela. Pense em metalinguagem retrô!

A novela não chega a ser plágio de Voltaire nem de Mazzaropi. Pode se tornar, sim, sem grandes emoções para quem conhece a história, mas também pode servir de estímulo para que muitas pessoas descubram o legado do caipira mais supimpa do cinema nacional.

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