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Conheça a história de Else, a alemã que ficou conhecida como a amazona de Bangu

2 de novembro de 2015, por Alberto de Oliveira
Lifestyle

No Brasil da década de 1940, uma das formas mais populares de diversão era o teatro de revista, porta de entrada no mundo artístico para milhares de jovens que sonhavam alcançar posições de destaque em outras áreas, como o cinema e o rádio, e também no próprio teatro de revista, no qual, as garotas e coristas, poderiam vir a se tornar vedetes.

Por trás do glamour que desfilavam nos palcos, enfileiradas trajando fantasias brilhantes, cantando e dançando, as vidas pessoais dessas moças costumavam ser bastante tumultuadas e, muitas vezes, trágicas. Geralmente oriundas de famílias humildes e de lugarejos distantes, essas jovens chegavam todos os dias no Rio de Janeiro, a capital do teatro de revista, em busca de um lugar ao sol na cena artística.

Algumas traziam consigo apenas seus sonhos e a esperança de se tornar um grande cartaz ou pelo menos garantir a sobrevivência. Outras, talvez a maior parte delas, fugiam de um passado de decepções, abusos e miséria.

Quando não conquistavam a fama, restava às girls e coristas aproveitarem o tempo em que permaneciam expostas no palco para despertarem o interesse de algum coronel ou homem de posses, os quais lotavam as platéias dos espetáculos procurando bem mais do que a distração do show.

Else, amazonas

Else Adele em seu cavalo com biquíni da época (Foto: Reprodução)

Nascida na Alemanha em 1918, Else Adele Wojcichowsky era uma dessas moças. Tinha apenas dez anos de idade quando sua mãe, fugindo da fome e do desemprego que assolava a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, viera para o Brasil buscando melhores condições de vida, trazendo consigo três filhas menores, entre as quais Else.

Depois de passar pelo Paraná, por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul com a mãe e as irmãs, Else chegou ao Rio de Janeiro, onde conseguiu se empregar como girl na companhia de Jardel, no teatro República, em um elenco estrelado por Dercy Gonçalves.

Entre 1938 e 1943, usando o pseudônimo artístico Sônia, a alemã passou por várias companhias teatrais e também atuou em circos e cabarés, tendo atuado não apenas como girl e corista, mas também, diziam, como atiradora de punhais em um circo, fato que Else nunca confirmou.

Avessa àquele ambiente, desejando apenas conseguir uma “casinha na vertente de um morro”, com “galinheiros cheios de pintinhos e aves de raça”, Else ganhava apenas vinte cruzeiros por noite e via seu sonho cada vez mais longe de se concretizar.

Else, amazonas

Else, como Sônia, seu nome artístico (Foto: Reprodução)

Para complicar sua situação, teve início a Segunda Guerra Mundial e quando o Brasil se aliou aos Estados Unidos, iniciou-se no país certa perseguição aos alemães, a tal ponto que Else foi acusada até de espiã nazista. Numa feita, andando de bicicleta pelo Rio de Janeiro, a jovem teve seu veículo apreendido por um fiscal, o qual alegava que ela não tinha licença. Tal gesto foi entendido por Else como decorrente da fobia dos brasileiros pelos alemães que vigorava então.

Para reavê-la, Else procurou falar diretamente com o responsável geral pela fiscalização, Francisco Borges de Souza Dantas Filho, trinta e três anos mais velho do que ela.

O entrosamento entre os dois foi instantâneo e em pouco tempo, Else deixou o teatro e foi viver em um sítio arrendado por Souza Dantas em Bangu, realizando ali seu velho sonho de criar bichos e cuidar de plantações.

Nessa época, Else ficou conhecida como “a amazona de Bangu” ou “a Lady Godiva de Bangu”, pois tinha o hábito de deixar seu sítio montada em um cavalo para ir até o centro fazer compras vestindo apenas um sumário biquíni.

Tal comportamento fez com que começassem a surgir na cidade alguns boatos sobre ela. Um deles, espalhado na vizinhança por um pedreiro, afirmava que Else traía Souza Dantas. Furiosa com a difamação, a alemã queria que o amante fosse tirar satisfações com o homem.

Como Souza Dantas negasse, dizendo que tal fato não tinha importância, iniciou-se uma intensa discussão entre o casal, até que, em um momento mais acalorado, no qual seu protetor respondeu asperamente a ela, a ex-artista atirou contra ele um enorme facão. Souza Dantas morreu na noite seguinte, no dia 21 de setembro de 1944.

Sete meses depois, Else, que voltara a trabalhar como girl para se sustentar, foi presa no palco do teatro Recreio, durante o espetáculo. Condenada a três anos e meio de prisão, foi solta após um ano e meio por seu bom comportamento. A tragédia de sua vida não abalou Else: de volta ao seu antigo sítio em Bangu, a alemã procurou refazer seu sonho, recuperando seus animais e reconstruindo sua casa, devastada pelos ladrões no período em que estivera ausente.

Else

Else em sua casa colocando roupas no varal (Foto: Reprodução)

Mulher calada, solitária, amiga apenas dos bichos, Else se tornou uma espécie de figura mítica em Bangu, retomando seu hábito de cavalgar seminua pelas redondezas de seu sítio. Por histórias como a dela, era povoado o universo das girls e coristas do teatro de revista daqueles anos – vidas loucas, difíceis, conturbadas, tristes.

Mas quem podia desconfiar quando as cortinas se abriam, as luzes se acendiam, a música começava e aquelas moças surgiam no palco, belas, maquiadas, mascaradas, sorrindo e se entregando aos que lhes assistiam sem jamais contar a tragédia de suas existências?

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