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Scotty Moore: O guitarrista que apresentou o rock ‘n roll ao mundo

8 de julho de 2016, por Alex Valenzi
Música

O guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, tinha apenas 13 anos a primeira vez que ouviu Scotty Moore tocando guitarra. Era tarde da noite, e ele estava trancado em seu quarto ouvindo a estação Luxembourg (escondido dos pais) num velho rádio de transistor, com o sinal ruim, quando das profundezas das ondas cheias de estática, emergiu a música de Elvis Presley, “Heartbreak Hotel”.

Ele literalmente perseguiu a música andando de um lado para o outro em seu quarto com o radinho sobre a cabeça para tentar um sinal melhor. Em instantes esta música havia mudado a sua vida para sempre, “eu já tocava guitarra, mas sem direção, quando ouvi Heartbreake Hotel, eu sabia o que queria fazer na vida, que era tocar guitarra daquele jeito; todo mundo queria ser Elvis, eu queria ser Scotty Moore!”, disse Keith sobre o guitarrista de Elvis Presley, falecido recentemente.

Keith Richards e Scotty Moore (Foto: Reprodução)

Keith Richards e Scotty Moore (Foto: Reprodução)

O talento do Alabama

Winfield Scott Moore III nasceu em 27 de dezembro de 1931 na fazenda de seus pais no Alabama. A família Moore, sempre foi muito musical, seu pai tocava banjo e violino, e ensinou todos os filhos (menos Scotty, que nasceu bem mais tarde) a tocar guitarra. Scotty foi ganhar sua primeira guitarra de seu irmão Ralph, que antes de sair de casa para servir a marinha, o ensinou os primeiros acordes. Por volta desta mesma época, Scotty começou uma grande amizade com seu vizinho James Lewis, ambos se identificaram pelo amor a guitarra e aprenderam muitos acordes com um outro vizinho, que era considerado o melhor guitarrista da região, Oscar Tinsley.

Scotty Moore (Foto: Reprodução)

Scotty Moore (Foto: Reprodução)

Scotty ainda muito pequeno acompanhava seus pais e irmãos que tinham uma banda familiar, que, na época da grande depressão, eram as únicas atrações nas regiões rurais do país, o que ajudava muito na renda de casa. Scotty sonhava em tocar na banda, mas era muito jovem, fato que o deixou sentindo-se excluído, sem entender porque não podia tocar, sendo que era membro da família.

Em 1948, aos 16 anos se juntou à marinha americana se passando por 18 anos, e foi servir em um navio estacionado na costa da China, onde faziam evacuação de refugiados, durante a tomada do poder pelo exercito comunista. Ainda na marinha, formou sua primeira banda “The Happy Valley Boys”, casou-se com a primeira de suas cinco esposas, Mary Durkee, em 1950, e ainda no mesmo ano, tomou parte na guerra da Coréia. Porém, em janeiro de 1952, foi dispensado pela marinha com 2 medalhas, uma esposa – a primeira, mãe de seus cinco filhos (4 mulheres e 1 homem) – e livre para correr atrás de seu sonho musical.

Agora, ele só precisaria achar um cantor, que fizesse com a voz, o que Scotty fazia na guitarra. Sua busca por emprego, então, o levou até Memphis, que ficava a 70 milhas da fazenda, e onde dois de seus irmãos já tinham se instalado há alguns anos. Lá ele arranjou um emprego para trabalhar na bem sucedida lavanderia do irmão, o que o deixava livre para tocar e praticar sua guitarra, que era o amor de sua vida, mas que logo lhe custaria seu primeiro casamento.

A Sun Records

Por volta desta época, 1953, Sam Phillips começava a produzir seus primeiros hits, os singles Bear Cat (Rufus Thomas), Just Walkin’ in the rain (The Prisionaires) e outros faziam sucesso nacional, o que levou Scotty e o jovem Elvis Presley (ainda não se conheciam) a cada vez mais se empenharem em realizar o sonho da carreira musical. A lenda costuma dizer que, nesta época, Elvis costumava dar umas canjas com os Burnette, porém Scotty, que realmente tocou com os Burnette nesta época e os conheceu bem, afirmava que nunca havia visto ou ouvido nenhum dos três (Elvis, nem os irmãos Burnette) falar nada sobre este assunto.

Scotty Moore em 1958 (Foto: Reprodução)

Scotty Moore em 1958 (Foto: Reprodução)

Fato é, que Scotty lembrava, em especial, de uma ocasião com os Burnette em um show numa “Road House” (casa de má reputação) nos arredores de Memphis, “estava tudo bem até um certo ponto, apesar de não se enxergar nada! Mas, de repente, aquilo virou um inferno! Johnny e Dorsey Burnette eram brigões notórios e campeões amadores de boxe. Eram banidos de diversos festivais de Algodão em que tocaram, e nesta noite alguém foi entrar neste assunto, e eles esvaziaram o lugar, não sei quantos eram, mas os Burnette deram cabo de todos! Depois disto não pude coloca-los mais neste tipo de lugar”, disse Scotty.

O guitarrista Scotty, então, montou sua primeira banda profissional de country ‘The Starlite Wraglers”. Para ser o vocalista chamou seu amigo Doug Pointdexter, com quem já vinha tocando, o baixista Bill Black, além de Millard Yow, na guitarra havaiana, Clyde Rush, na guitarra, e Thomas Sealey, no violino. Ele havia decidido que ficaria com a guitarra solo e seria empresário, o que lhe renderia ainda mais 10% dos lucros sobre a banda.

Logo, Elvis entraria por uma porta para gravar seu primeiro acetato e Scotty praticamente sairia pela outra, tendo gravado o primeiro single e, mesmo assim, os dois ainda não haviam se encontrado. Depois de muito insistir, Scotty conseguiu com que Sam Phillips lançasse o single de Doug Pointdexter & The Starlite Wrangles, que, de quebra, foi um estrondoso fracasso. Determinado a seguir sua carreira na música de qualquer maneira, o guitarrista continuou a aparecer constantemente na Sun Records para conversar com Sam Phillips sobre o futuro.

A parceria com Elvis Presley

Um dia, em 1954, Sam, precisando de alguém para gravar uma certa canção, lembrou de um jovem de costeletas que havia recentemente gravado dois demos, lembrou também de Scotty e, nesta época, de seu inseparável amigo e baixista, Bill Black, marcando um encontro na casa de Scotty e pedindo para ele e Bill dar uma lapidada no garoto e ver o que conseguiam preparar. Scotty (que tinha uma influencia de Jazz e Country, principalmente, Chet Atkins e Les paul) havia adquirido uma linguagem própria e única e depois de tentarem varias canções (principalmente baladas, sem sucesso) Sam, já preocupado, sugeriu um intervalo.

Scotty Moore e Elvis Presley (Foto: Reprodução)

Scotty Moore e Elvis Presley (Foto: Reprodução)

Logo, Elvis, um grande fã de Rhyhm’ & Blues, começou a cantar e tocar em seu violão That’s all Right Mamma, antigo hit de Arthur “Big Boy” Crudup, seguido pelos riffs infernais e a batida pulsante de Bill Black, nascia ali (apesar de estilo já tocado por alguns, como os Burnettes, Car Perkins e Curtis Gordon do Texas, mas sendo registrado pela primeira vez) o Rockabilly, um novo som que, primordialmente, pegava uma canção R&B e jogava um tempero country ou vice-vesa, um som Country que jogava uma levada R&B (como a outra gravação da sessão Bluemoon of Kentucky).

Sam Phillips, reconhecendo o potencial deste novo som mandou continuarem e gravou as duas canções, lançando em seguida o primeiro single, que mudaria a história da música para sempre, com aquela guitarra tão linda quanto inusitada que também mudaria tudo. Logo depois, em 1955, eles trariam o baterista D.J.Fontana e o sucesso como sabemos foi sem precedentes, primeiro na Sun Records (sem DJ e as vezes com o baterista Johnny Bernero), com clássicos como as duas já citadas, e os também leituras de hits do R&B, como “Baby let’s Play House (Arthur Gunter), “Good Rockin’ Tonight” (Wynonie Harris), “Trying to get to you” (um antigo Doo Wop do grupo the Eagles) e várias outras canções. Dai para a frente foram 14 anos ao lado do Rei em todos os shows ao vivo e quase todas as sessões de gravação até 1968.

Em 1956, a banda de Elvis se transferiu, em um negócio milionário na época, para a RCA Victor, e os sucessos aumentaram só aumentaram: “Heartbreake Hotel”, “All shook Up”, “Hound Dog”, “Don’t be Cruel”, um após o outro. No entanto, ao mesmo tempo, por volta de 1957, começaram as disputas por dinheiro. Scotty e Bill ganhavam 25%, cada, do lucro da banda, e Elvis ficava com 50, mas, mediante ao grande volume de dinheiro entrando, o Coronel Parker (o Leonino empresário de Elvis), que, antes, era empresariado pelo próprio Scotty, passou a pagar um salário a eles de US$ 250 semanais (um bom salário, mas não nesta situação).

Os dois nunca acharam Elvis um traidor, mas sim, dominado pelo Coronel. Além disso, ainda tiveram que pagar eles mesmos US$ 50 do sálario de US$ 150 semanais de DJ Fontana, o que finalmente fez com que pedissem demissão em 1957, após a turnê do Canada e pré-shows de Tupelo, Mississippi (terra natal de Elvis). Durante este período, Scotty produziu (com Bill Black no Baixo) o Hit nacional “Tragedy”, de Thomas Wayne Perkins (irmão de Luther Perkins, guitarrista de Johnny Cash), lançada pelo seu recém montado selo Fernwood Records, e passou a se dedicar mais a sua outra paixão: engenharia de som em estúdio.

Nem Scotty, nem Bill Black, participaram da sessão de Elvis em Nashville, em 1958. Este, recém alistado no exercito, gravou clássicos como “Fool Such As I”, “Big Hunk O‘Love”, “I need your Love Tonight”, ao lado de Hank Garland, na guitarra, DJ ainda na bateria, agora junto de Buddy Harman (sempre 2 bateras daqui pra frente), o grande Bob Moore no baixo acústico, Floyd Cramer no piano, os Jordanaires continuaram nos vocais, e até Chet Atkins (a quem Elvis odiava) também tocou alguma coisa nesta sessão.

Scotty voltaria somente na primeira sessão após o exército, no álbum Elvis is back, em 1960, e ficaria tocando em quase todas as sessões, às vezes mais, às vezes menos, até 1968. Além disto, nesta época, começou a trabalhar muito na Sun Records e em outros selos de Memphis como produtor engenheiro e acabou tocando com outros astros, com destaque para Jerry Lee Lewis com o qual tocou e produziu varias sessões pela Sun. O guitarrista foi levando, até ser convidado com DJ para o 1968 Comeback Special de Elvis (Bill Black já havia falecido, e essa, infelizmente, seria a última vez que veria Elvis).

Sue Moreno e Scotty Moore (Foto: Arquivo Pessoal)

Sue Moreno e Scotty Moore (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma nova era para Scotty

A partir de 1968, Scotty abandonou a guitarra, se dedicando ao seu estúdio de gravação em Nashville, chamado Music City, onde trabalhou por muito tempo e anos mais tarde conheceu Gail, sua última e quinta companheira. Scotty, porém, não aguentou parar de tocar por muito tempo, voltando triunfalmente na Elvis Week de 1992 (onde este autor estava presente), numa volta emocionante. Quando, no Ellis Auditório (tão conhecido de EP), soaram os primeiros e imortais acordes de “Don’t be Cruel” e sua guitarra Gibson afinada mais baixa criando aquele único e grave som, não reproduzido desde 1961 no Havaí, todos vieram à loucura.

Daí pra frente, Scotty não parou mais de tocar, quase que pelo mundo todo, e com a maioria das grandes estrelas do rock, que queriam todos tirar uma saudável casquinha, gravou vários projetos, como, Paul Mccartney, Eric Clapton, Ron Wood, Albert lee, Brian Adams, Ronnie McDowell, Paul Ansell, Sue Moreno, The Band, Chris isaak, Carl Perkins, Deke Dickerson, George Harrison, Rolling Stones, B B King, Buddy Guy, até Steve Vai, etc.

“Eu encontrei com Scotty algumas vezes. A primeira vez que ambos fomos tocar em um festival relacionado a Elvis em Amsterdam. Lembro-me de quão especial eu me senti conversando com ele, sabendo que este homem olhou Elvis nos olhos e estava lá desde o início. Ele me contou algumas histórias, que, inclusive, estão em seu livro ‘That’s Allright, Elvis’, mas, tem uma que me marcou  bastante. Scotty disse que Elvis costumava tirar os sapatos, sentado no banco traseiro do carro, depois dos shows. Uma dessas vezes, ele disse ao Rei que ele estava com chulé e pediu para manter-se calçado. Quando ele tirou os sapatos outra vez, Scotty simplesmente os jogou para fora da janela! Elvis não gostou nenhum pouco”, lembrou a cantora de neorockabilly Sue Moreno, em entrevista ao Universo Retrô.

Scotty Moore parou de tocar devido a um problema de artrose nas mãos. A partir de 2007, quando, já com dificuldades, tocou em mais uma Elvis’ Week, continuou apenas dando entrevistas e pequenas canjas, porém saudável, como em uma das últimas, em 2013, ao lado do DJ e amigo George Klein em seu programa de Youtube. Em meses recentes, depois de perder a companheira Gail em 2015, Scotty começou, aos 84 anos, a ter sua saúde mais debilitada por vários problemas, permanecendo acamado nos últimos meses, vindo a falecer em sua residência de longa data em Nashville, em 28 de junho de 2016.

Paul Ansell e Scotty Moore em show de 2004 (Foto: Reprodução)

Paul Ansell e Scotty Moore em show de 2004 (Foto: Reprodução)

“Eu toquei com Scotty em seu último show, foi em Memphis, no Peabody Hotel. Lembro estar eu e ele no backstage, só nós dois. Ao ouvir as palmas e gritos aumentando, antes de entrar no palco, ele me olhou e disse brincando ‘eu não entendo tudo isso, por que eles me amam tanto?’. Eu respondi: Scotty, sua música vai viver para sempre. Seu som é como uma sinfonia de Beethoven. Ele apenas me olhou e sorriu. Scotty Moore era o músico dos músicos, se é que você me entende. Ele sempre será meu guitarrista favorito. Ele tocava com paixão e tesão, mas ao mesmo tempo com uma suavidade e estilo de dar inveja. Além do mais, tocou com com o meu cantor preferido da vida”, disse o músico Paul Ansell em depoimento ao Universo Retrô.

O seu legado é, no mínimo, um dos três maiores da história do Rock & Roll, e pode ser ouvido em quase todas as gravações de Elvis de 1954 a 1968, Jerry Lee Lewis no começo dos anos 60, entre outros, como Jim Reeves, Thomas Wayne, etc, e também em discos como “The Guitar that changed the world (Epic records, 1964, disponível em vinil e em DC), onde ele toca clássicos de Elvis com a banda e os Jordanaires nos vocais) e o mais recente “All The King’s men” (1997, com seu fã maior Keith Richards, Ron Wood, The Band, Jeff Beck, Cheap Trick, Pau Burlison, seu velho parceiro DJ Fontana, entre outros), com destaque para a canção “A Deuce & a Quarter Ain’t A Cadillac”, com deliciosas guitarras de Moore e vocais de Keith e Leon Helms. Que legado!

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