Apesar de uma história de mais de 30 anos no meio rockabilly / retrô, essa é a primeira vez que Ivanir Anjos – ou Vani, como muitos a conhecem – dá as caras por aqui. A nossa Pin-Up de junho é uma ‘rocker das antigas’, empreendedora do mercado retrô, mãe de músico de rockabilly, avó de três bebês fofinhos (meus filhos e marido, diga-se de passagem) e cheia de histórias para contar.
Uma das primeiras integrantes da turma Azes do Rock ‘n Roll, do ABC Paulista, nos anos 1990, Vani hoje é a artesã responsável pela My Vintage Home, uma loja de decoração inspirada no Mid Century Modern Design dos anos 1940, 1950 e 1960. A loja é pioneira neste estilo no Brasil, o que, inclusive, garantiu a ela um prêmio recente da Rede Mulher Empreendedora e da Braskem de empreendedorismo feminino.
No auge dos seus 50 anos de idade, Ivanir realizou seu primeiro ensaio fotográfico Pin-Up à convite do Universo Retrô, onde traz um pouco do universo da pintura – tema que domina há mais de 20 anos – para suas fotos clicadas por Tainá Lossehelin, com inspiração nas ilustrações de Gil Elvgren. Além do ensaio completo, no bate papo a seguir você conhecerá mais sobre sua história com o rockabilly, seu trabalho com a My Vintage Home, sua família e referências. Confira!
Universo Retrô – O retrô permeia sua vida há bastante tempo. Além de ter vivido o início do movimento rockabilly no ABC Paulista, hoje seu filho Vinícius (Vinci Bueno) é um músico conhecido na cena e você ainda comanda a loja My Vintage Home de decoração retrô junto comigo (Mirella). Quando e como você entrou neste universo?
Vani Anjos – Foi no início dos anos 1990, quando conheci alguns meninos da gangue Azes do Rock ‘n Roll no colégio aqui em Santo André (SP); eu já gostava muito do estilo deles, mas só entrei de verdade nesse mundo do rockabilly quando conheci o pai do Vinícius (Caverna) e fui em uma festa com os rockers do ABC e de São Paulo. Na época, fiquei tão apaixonada pela cena rocker que não pensei duas vezes em entrar para a turma.
Universo Retrô – Como foi descobrir esse universo rocker quando ainda não tinham muitas referências na década de 1990, inclusive, raro acesso a internet?
Vani Anjos – Na época não era nada fácil, pois não tínhamos acesso às informações com a facilidade que temos hoje, mas logo comecei a montar a minha pasta de referências e correr atrás de recortes de revistas e jornais, juntando todas as informações que conseguia encontrar, e à noite era quando me reunia com a turma numa praça pra ouvirmos músicas e trocarmos informações.
Universo Retrô – Numa época em que ainda não existia redes sociais, como vocês ficavam sabendo dos eventos de rockabilly?
Vani Anjos – Um dos meus amigos tinha telefone, então, quando tinha alguma coisa em São Paulo, o pessoal avisava ele. E quando era algum evento grande acabava saindo em jornal, rádio, e a gente ficava ligado para não perder nada.
Universo Retrô – Você fez parte da primeira turma do Azes do Rock ‘n Roll, uma das primeiras gangues rocker no ABC Paulista, no começo dos anos 1990. Ainda tem contato com o pessoal daquela época?
Vani Anjos – Posso dizer que foi uma das melhores fases da minha vida e os amigos daquela época ainda são os mesmos de hoje, por mais que cada um seguiu um caminho, temos um grupo de whatsapp e sempre que temos oportunidade nos reunimos. Tenho certeza que seremos eternamente unidos pelo bom e velho rock’n roll.
Universo Retrô – A história do Azes já tem mais de 30 anos, mas vemos pontos interessantes nessa turma que muitos desconhecem. Além de ser comandada por pessoas pretas e essencialmente periféricas, era uma gangue mista, ou seja, tinham garotos e garotas – coisa que dificilmente acontecia naquela época. Como as mulheres eram vistas dentro da gangue?
Vani Anjos – No Azes era bem tranquilo; os garotos respeitavam bastante a gente, aliás, respeitam muito até hoje. Participávamos de tudo, não éramos excluídas por sermos garotas. E quando estávamos no rolê eles nos protegiam das gangues que só tinham garotos (risos).
Universo Retrô – Para você que acompanha o estilo há muitos anos, como sente que ele tem mudado no decorrer do tempo? Acha que o rocker ficou mais elitizado ao longo dos anos?
Vani Anjos – Acho que o estilo mudou muito e com certeza está muito mais elitizado do que naquela época. Mas, por outro lado, tudo mudou muito também; a tecnologia trouxe um mundo de oportunidades. Nos anos 1990, era tudo muito difícil e para estar num rolê era muito complicado; a maioria ainda adolescentes sem grana até pra pagar ônibus. Então, quando conseguíamos estar em algum lugar, vivíamos intensamente e aproveitávamos muito todos os momentos.
Às vezes rolavam umas briguinhas com a galera de São Paulo ou tínhamos que correr dos carecas, mas nada que atrapalhasse nossa curtição. Quando não tínhamos dinheiro para a entrada de todos, ficávamos passeando pelo centro de São Paulo e adorávamos fazer isso nas madrugadas. Era super divertido.
Universo Retrô – Como vocês lidavam com esses famosos embates entre rockers e carecas?
Vani Anjos – Não podia ser tudo perfeito né. Tinham os carecas do ABC que nos perseguiam, por isso vivíamos nos escondendo e fugindo pois não podíamos contra eles; eram muitos e usavam pedaços de pau, soco inglês, fivelas, tudo que pudesse ferir. Eram realmente malvados; uma vez, a turma deu de frente com eles aqui no bairro, uns conseguiram fugir, mas pegaram um amigo que nem era rocker e bateram muito nele. Teve que ir pro hospital e tomou um monte de ponto, muita covardia mesmo. Enfim, mas nem mesmo essa galera atrapalhava nossos rolês.
Universo Retrô – Você sente que já sofreu algum preconceito por ser uma mulher negra na cena rocker?
Vani Anjos – Na minha época não, até porque no Azes não existia isso (ser homem ou mulher, preto, branco, amarelo); nos sentíamos todos iguais e muitos de nós éramos, inclusive, jovens pretos. Mas, com o passar do tempo, comecei a observar que quase não existiam mulheres negras na cena rocker, as Pin-ups, por exemplo, sempre de pele branca etc; isso fez com que eu me afastasse e começasse a pensar que aquilo não fazia mais parte de mim. Confesso que foi um período confuso, mas de alguns anos pra cá percebi que isso está mudando e que as Pin-ups pretas existem, sim, e são maravilhosas!
Universo Retrô – Você acompanha as Pin-Ups Pretas Brasileiras? Tem alguma em especial que te inspira?
Vani Anjos – Gosto bastante do conteúdo da Paula Renata, a Miss Black Divine, mas ainda não a conheço pessoalmente, só pelo Instagram. Vejo o trabalho que ela e as meninas do Pin-Ups Pretas Brasileiras fazem para propagar informações e é bem bacana. Por causa dessa nova geração acredito que muitas de nós passamos a enxergar mais possibilidades nessa cena, tanto em relação ao nosso cabelo, como à cor da pele. Não precisa ser branca pra ser retrô.
Universo Retrô – Como costumava se vestir na sua juventude como rocker e o que de referência traz para os dias de hoje como uma mulher retrô mais madura?
Vani Anjos – No dia a dia e nos rolês mais próximos era calça jeans, camiseta branca, coturno e lenço pescoço ou no cabelo, mas quando íamos para os rolês em Sampa era geralmente saia godê ou vestido com sapato boneca e meia soquete. Ah, e, claro, sempre com nossa jaqueta com o patch da gangue que era peça essencial no visual. O meu preferido era calça com jaqueta e coturno! Hoje em dia, ainda uso bastante calça jeans e bandana, apesar de até arriscar uns vestidos godê por conta da Lovely, a loja da minha nora que também ajudo a gerenciar.
Universo Retrô – Qual a sua melhor lembrança relacionada à sua vivência com o universo retrô / rockabilly?
Vani Anjos – São tantas, mas as festas nos anos 1990 eram fantásticas. Saíamos umas 19h de Santo André, chegávamos da balada no outro dia cheios de gás, e ainda pegávamos o trem até Paranapiacaba, andávamos mais ou menos 1 hora até chegar na cachoeira e ficávamos o dia todo curtindo. Doce juventude (risos).
Universo Retrô – Hoje, você é mãe de três meninos e avó de três bebês. Como seus filhos e netos se envolvem com essa cultura? Você acredita que suas referências influenciaram as gerações seguintes?
Vani Anjos – Com toda certeza! Até mesmo não indo muito para os rolês, nunca deixei de curtir e amar o estilo, nunca deixei isso se apagar; sempre ouvindo músicas, vendo filmes, lendo, decorando… A gente fala que o Vinícius já nasceu rocker, os outros dois, Pedro de 11 anos e Gabriel de 14 são mais tranquilos, mas entendem também que a cultura faz parte da nossa família. Já os meus netos, a influência é bem mais forte pois, além dos avós, têm o pai e a mãe também; Martin com seus 3 aninhos gosta muito de psychobilly e diz que é roqueiro e que tem uma banda chamada “Aeromortos”. É um barato ver tudo isso.
Universo Retrô – Você, que curte o rockabilly há tantos anos, imaginou que um dia pudesse ter um projeto voltado para a cultura retrô? Conta para os nossos leitores como surgiu a My Vintage Home e o que comercializam na loja?
Vani Anjos – Nunca imaginei que minhas peças chegariam tão longe! Já atravessamos o oceano, vendemos para fora do Brasil algumas vezes, inclusive, e isso para mim é motivo de orgulho. Faço trabalhos manuais há muito tempo, sempre buscando algo que fosse diferente e único e que pudesse ter um valor sentimental agregado, algo que as pessoas olhassem e dissessem ‘quero essa peça por que ela me remete a algo especial’ e, assim, surgiu a My Vintage Home, do amor que temos por tudo que remete ao passado. Hoje comercializamos relógios, espelhos, porta-retratos, prateleiras, quadrinhos, almofadas, ornamentos de modo geral.
Universo Retrô – Recentemente, você foi vencedora com a My Vintage Home do prêmio “Mulher Empreendedora” da Braskem em parceria com a Rede Mulher Empreendedora. Conte-nos como aconteceu isso.
Vani Anjos – Chique, né? (risos). É um projeto muito bacana voltado só para mulheres empreendedoras. Fiz um curso de empreendedorismo em 2021 com mentoria da Rede Mulher Empreendedora e patrocínio da Braskem e, no final, foram escolhidos 3 projetos inovadores e promissores. E pra nossa felicidade e orgulho nosso Pitch foi um dos vencedores, fortalecendo ainda mais nossos valores e capacidade.
Universo Retrô – Na My Vintage você é a artista responsável por produzir e idealizar as peças. Como funciona seu processo criativo na loja? Como você cria as peças, escolhe as cores, etc?
Vani Anjos – Me inspiro no Mid Century e venho estudando as formas e todas as cores da época (anos 1940, 1950 e 1960). Cada referência que vejo, tanto de época como mais atual, já vem à cabeça uma peça nova ou aperfeiçoamento de algo que já foi criado. O que começou como algo despretensioso em 2019, um pouco antes da pandemia, vem tomando cada vez mais forma e isso me deixa bem feliz.
Universo Retrô – Inclusive, a inspiração para realizar esse ensaio fotográfico com a Tainá Lossehelin para o Universo Retrô foram as Pin-ups pintoras do Gil Elvgren, algo que conversa diretamente com a sua arte. Há quanto tempo você trabalha com pintura e quais as técnicas que já se arriscou?
Vani Anjos – Exato, o tema tem tudo a ver comigo! Não sei exatamente há quanto tempo, mas posso dizer que são bem mais de vinte anos que trabalho com arte e trabalhos manuais de modo geral. Já pintei quadro (tinta a óleo e acrílica sob tela), fiz e até hoje faço decoupage, pintura craquelada, envelhecimento, restauro de móveis e muitas outras técnicas. É algo que gosto demais.
Universo Retrô – Inclusive, apesar de curtir há bastante tempo esse universo retrô, essa foi a primeira vez que posou como Pin-Up, para comemorar seus 50 anos. Como foi a experiência?
Vani Anjos – Confesso que no começo me senti um pouco insegura (risos), mas a Tainá é uma excelente profissional e me deixou muito a vontade e logo me senti super empoderada (a verdadeira modelo, risos). Foi uma experiência muito boa e elevou muito a minha autoestima, uma sensação de que posso fazer tudo que eu quiser e sem crises de idade.
Universo Retrô – Qual a mensagem que você deixaria para as mulheres da sua idade que querem se arriscar no universo da fotografia mas ainda não tiveram coragem?
Vani Anjos – Que se permitam, se valorizem e façam! É muito bom poder enxergar na delicadeza e na perfeição das imagens que mesmo com meio século, você continua uma pessoa bonita, forte, com muitos sonhos e conquistas ainda a realizar.
Ficha Técnica
Fotografia: Tainá Lossehelin
Produção: Universo Retrô
Figurino e Cenografia: Daise Alves
Cabelo e Maquiagem: Mirella Fonzar
Apoio: Bruna Pepper e Lovely Vintage