Mais uma edição de sucesso do Psycho Carnival aconteceu entre os dias 8 e 12 de fevereiro, em Curitiba, e contou com mais de 40 bandas no line-up deste ano. Ao todo já se somam 25 anos de existência do maior festival de Psychobilly da América Latina, sendo 23 edições (físicas) realizadas na capital paranaense durante o Carnaval, nessas mais de duas décadas.
Curiosamente, na última edição que nós, do Universo Retrô, acompanhamos, em 2020 (antes da pandemia), fechamos a resenha daquele ano com a sensação de que a diversidade de gêneros musicais havia sido atingida com sucesso, mas ainda assim sentíamos falta dessa diversidade em relação aos integrantes das bandas, como, por exemplo, mais mulheres presentes no line-up.
Mas, para a nossa alegria, a edição de 2024 cumpriu a missão da representatividade feminina com sucesso e trouxe ainda outras pautas importantes à tona. Além do incentivo ao empreendedorismo feminino, representado pelo bazar Mulherada no Jokers Pub, o Psycho Carnival 2024 contou com dois debates importantes: Feminismo na cena cultural e a presença dos negros no rock independente, realizados no domingo e na segunda-feira, no TUC e no Café Manifesto, respectivamente.
Presença feminina maior no line-up do Psycho Carnival
Este ano, mais bandas com integrantes mulheres estiveram presentes na programação, começando por As Cigarras (Curitiba), que abriram o evento no Jokers Pub com seu punk mod garageira, na quinta-feira; seguido pela B.A.R. (Curitiba), na sexta-feira, que mistura referências do punk britânico a letras que tratam dos dramas da maternidade/paternidade – a banda é formada por dois casais de amigos que têm filhos.
No sábado a tarde, foi a vez de Los Clandestinos (São Paulo) mostrar seu rock ‘n roll intenso cheio de referências de blues e garage, no TUC, com destaque para a baixista e vocalista Sayuri Yamamoto, que apresenta uma performance única e um som muito bem feito. A noite foi a vez dos veteranos da Voodoo Zombie (Chile) mostrar seu Psychobilly e Horror Punk no palco do Jokers, com destaque para a vocalista Katona Kat, que não deixou ninguém parado, com sua presença de palco e carisma que já acumulam quase 20 anos de estrada.
No domingo, o duo Morcegula, formado por um casal interestadual (Rio de Janeiro / Belo Horizonte), trouxe seu rock ‘n roll cheio de atitude, com destaque para a baterista Rebeca Li Maciel. Na mesma noite, as pioneiras do punk nacional, As Mercenárias (São Paulo), deixaram o público boquiaberto com sua performance marcante e letras cheias de protesto; destaque para a nova formação que agora conta com a baterista Pitchu Ferraz, que elevou ainda mais a energia da banda.
Já na segunda-feira, foi a vez de outras bandas curitibanas de Punk feminino ganharem destaque. A tarde, as meninas da Patada fecharam o debate feminista no TUC, enquanto a noite foi a vez das Capetassauras abrirem o último dia de evento no Jokers. Duas bandas novas, formadas 100% por mulheres, só mostram como o underground vem se abrindo para nós, mulheres.
Luta antirracista também presente no festival
Este ano, além da forte presença feminina na programação do evento, a dupla Vladimir Urban e Neri – as cabeças por trás do Psycho Carnival – apostaram em outro tema de extrema importância para o underground brasileiro que é a presença dos afrodescendentes no rock ‘n roll, seja nos palcos, como na plateia. Tema este que nos faz refletir muito sobre o cenário que nos cerca em festivais de música como este – a porcentagem de músicos e público branco é sempre muito maior que a de negros, e essa conta não fecha, visto que, se somada, mais de 65% da população brasileira é autodeclarada preta e parda.
No domingo à tarde, no Café Manifesto, aconteceu a roda de conversa “Afro-diásporas: resistência cultural no rock independente”, mediada por integrantes do Coletivo Negro Minervino de Oliveira e com participação dos músicos da banda Black Pantera. Ao final, rolou show da banda punk Repudiyo (Curitiba). Na ocasião, foi debatido o racismo no Brasil e de que maneira as bandas e o público podem se posicionar e lutar contra todas as formas de preconceito.
O importante tema também se fez presente no show de tirar o fôlego da banda Black Pantera (Minas Gerais), que se apresentou pela primeira vez no Psycho Carnival, no domingo à noite, e levou à pista do Jokers Pub ao êxtase. Formada por três músicos negros de Uberaba, a banda traz temas políticos como racismo e discriminação em suas letras por meio de um som pesado de crossover thrash, que mistura punk e metal. Além de canções próprias já conhecidas, como “Fogo nos Racistas” e “Padrão é o Caralho”, hinos de outros artistas pretos, “A Carne”, de Elza Soares, “Olho de Tigre”, de Djonga, e “Negro Drama”, do Racionais MC, foram entoados pelo trio.
Eles, que homenageiam os lendários ativistas dos Panteras Negras no nome, vem ganhando bastante destaque também no mainstream e já se apresentaram em festivais como Rock In Rio e Lollapalooza. Presença mais que necessária em um festival independente como o Psycho Carnival.
Punk Rock e temas importantes marcando presença
Após um hiato de 2 anos por conta da pandemia de COVID-19, o Psycho Carnival foi retomado em 2023 e ficou bastante marcado por uma maior mistura entre gêneros musicais. Além das tradicionais bandas de psychobilly, o evento iniciou uma maior aproximação do punk rock, algo que pudemos perceber também nesta edição, com nomes clássicos como Relespública (Curitiba), Cólera (São Paulo), As Mercenárias (São Paulo), entre tantos outros confirmados, inclusive em eventos paralelos, como os ocorridos no Lado B, Manifesto Café e TUC.
No entanto, também sentimos um maior distanciamento das bandas de rockabilly no line-up nos últimos anos, visto que o Psychobilly surge no final dos anos 1970 exatamente dessa mistura entre o Punk e o Rockabilly / Rock ‘n Roll dos anos 1950. Este ano, por exemplo, as únicas bandas com referências um pouco mais próximas do rockabilly foram Los Clandestinos (São Paulo), que se apresentou num evento paralelo no TUC, no sábado à tarde, e Zabilly (Colombro), que tocou no domingo, no Jokers – sem contar o tradicional Hillbilly Rawhide (Curitiba), representando a parcela Hillbilly, que se apresentou no Cão Véio no sábado.
Proposital ou não, esse distanciamento das origens “a-billy” do festival e aproximação maior da veia punk, mostram que o Psycho Carnival não teme testar novos formatos e desagradar quem quer que seja. Até porque, para um festival independente se manter consolidado no underground durante 25 anos só mostra que sabe o que está fazendo. De qualquer forma, 2024 foi o ano dos sons mais pesados, o que ajudou a atrair um público punk maior, deixando os rockers ou quem curte sons mais leves um pouco de lado.
Do tradicional ao power, Psychobilly para todos os gostos
Mas não só de Punk Rock foi feita essa edição do Psycho Carnival. Dos tradicionais slap basses bem marcados aos monstruosos vocais, essa edição contou com diversas vertentes do Psychobilly, como de costume. Para abrir o festival, na sexta-feira, rolou o power trio Fish n’ Creepers, de Curitiba, e a banda Ghost Bastards, vinda da crescente cena Argentina, para se apresentar pela segunda vez no Brasil.
No sábado, foi a vez do trio de São Paulo, Spitfire Demons, agitar a pista do Jokers, ao lado de Mongo (Curitiba), que se mostrou ainda mais maduro este ano; os chilenos do Voodoo Zombie, voltando ao Brasil para a alegria dos mais nostálgicos; o power trio instrumental Mullet Monster Mafia (Piracicaba), com seu som sempre cirúrgico, chegando em nova formação; e, para fechar, Ovos Presley (Curitiba), que, passa ano e sai ano, continua levando o público à loucura, com seus sons irreverentes e presença de palco impressionante do vocalista Ademir Tortato.
No domingo, foi a vez de Zabilly (Colombo) trazer seu Psychobilly cheio de referências de rockabilly, blues e country ao Jokers, e para fechar a noite os sempre incríveis Sick Sick Sinners (Curitiba) com o seu power psycho famoso internacionalmente. Na segunda, mais bandas de Psychobilly agitaram a última e mais esperada noite do evento; os brasileiros da Diabillys (Sorocaba), Tampa de Caixão (Joinville) e Krappulas (Curitiba) dividiram o palco com os gringos da Jinetes Fantasmas (Argentina) e Nekromantix (Estados Unidos | Dinamarca).
Enquanto Jinetes Fantasmas se mostrou novamente uma das melhores bandas do gênero presente na América Latina, Nekromantix provou o por quê continua sendo um dos mais queridinhos grupos da cena há tantos anos. Eles, que estão na estrada desde 1989 e não se apresentavam desde 2016 no Brasil, trouxeram um show enérgico e nada convencional. Para a alegria de muitos fãs e decepção de outros, deixaram alguns clássicos de fora, como “My Girl”, e investiram num show menos comercial com poucos hits e sons lado B, como “Night nurse”, “Driller Killer” e “Sea of Red”.
Nem o extravio do baixo estilo coffinbass de Kim Nekroman foi motivo para desestabilizar o frontman durante o show em Curitiba. O icônico baixo em formato de caixão foi extraviado pela companhia aérea na vinda para o Brasil, mas acabou chegando a tempo para sua apresentação no Psycho Carnival – para o alívio dos fãs, que puderam curtir o show como um todo.
Psycho Carnival: Um festival que fala a linguagem dos novos tempos
Questionei por aqui em outras ocasiões – já que o Universo Retrô cobre o evento há 8 anos – o que faz de um festival independente como o Psycho Carnival sobreviver durante 25 anos ininterruptos (só ter sido pausado – responsavelmente – durante a pandemia da COVID-19), durante a festa popular mais famosa do Brasil e indo na contramão de tudo o que rola no país nessa época?
A explicação para tamanha longevidade do festival é muito clara: o Psycho Carnival fala a linguagem dos novos tempos e não tem medo de arriscar diferentes formatos e abraçar novas ideias. Apesar dos grandes shows clássicos que nos são apresentados anualmente, o Carnival não se contenta em viver só de passado. O festival valoriza a tradição, mas, principalmente, valoriza o novo, valoriza essa engrenagem que mantém a roda girando. Afinal, sem novas bandas, sem novos frequentadores, o evento já teria morrido, como tantos outros no underground.
E grande parte do sucesso do Psycho Carnival está na seriedade como os seus organizadores – Vlad, Neri e tantos outros envolvidos – encaram este festival. O respeito em relação aos músicos e ao público envolvido pode ser facilmente notado durante o evento; shows pontuais, infraestrutura impecável de som, banheiros, alimentação, venda de ingressos, programação alternativa e gratuita e tantos outros detalhes.
Não canso de dizer que, a cada ano, o festival se torna mais democrático, aberto a outros estilos musicais, novas contestações e convidativo para novos frequentadores. Sem contar que, além de trazer lendas do Psychobilly, é responsável por nos apresentar grandes novidades e novas tendências do underground e levantar pautas importantes para a cena.
Vida longa, sempre, ao Psycho Carnival. E que ele continue assim, transgressor e necessário, para a construção HOJE de um underground muito melhor do que ontem.
Bem legal! Mas faltou comentar dos shows no Lado B, que tbm fizaram parte do festival.
Olá,
Verdade, ficou faltando inserir o Lado B mesmo. Infelizmente, não conseguimos acompanhar todos os eventos por uma questão puramente logística. Somos de SP e nossa equipe estava reduzida este ano. De qualquer forma, vou aproveitar a sua sugestão e inserir na matéria um novo parágrafo, ok?
Mirella
E o lado B?
Participou da programação do PC 2024,com bandas,mulher proprietária, inclusive com participação feminina no show do Vida Ruim na abertura no sábado,e na terça 13 show com Rabo de Galo,cujo a vocalista é a Thais….
Cobertura completa?
Jornalismo ou propaganda,só pra eu entender…
Olá, Fabrício, tudo bem?
Verdade, ficou faltando inserir o Lado B mesmo. Infelizmente, não conseguimos acompanhar todos os eventos por uma questão puramente logística. Somos de SP e nossa equipe estava reduzida este ano. De qualquer forma, vou aproveitar a sua sugestão e inserir na matéria um novo parágrafo, ok? Aliás, deixo o canal aberto para futuras divulgações. Não, não é uma propaganda. É apenas uma cobertura do que conseguimos assistir por lá. Espero que entenda. Grande abraço, Mirella.