Juliana Feitosa, também conhecida como The Glamourtrix, é uma mulher preta trans apaixonada pela cultura vintage e que vem ganhado bastante destaque pela sua representatividade. Hoje, ela brilha na série Pin-Up do Mês, em um ensaio clicado por Ana Di Castro e styling de Sarah Amethyst, que também já foi destaque aqui no site.
O ensaio da nossa diva de abril foi inspirado em Coccinelle, dançarina transexual de cabaré francesa, famosa entre os anos 50 e 60. Não a toa, o ensaio foi clicado no Caberet da Cecília, centro multicultural de arte transgressora de São Paulo.
Conversamos com ela sobre como se percebeu uma mulher trans, como foi esse processo e sua relação com a cultura vintage. Confira:
Universo Retrô – Como e quando você se percebeu uma mulher trans? Como foi esse processo?
Juliana Feitosa: Acredito que ao longo da vida fui me entendendo como mulher. Eu nasci em 1993 e sempre desconfiei que o papel masculino me imposto ao nascer nunca me representou como pessoa. Tive que passar pela adolescência e compreender que eu estava no lado errado da calçada. Dos 15 até os 22 anos já tinha como certeza a minha transexualidade, porém, vim de uma família pequena e bem simples.
Entrei em depressão por um bom tempo, por me sentir culpada por nunca corresponder às expectativas da minha mãe. Com a morte da minha avó precisei tomar coragem e assumir de vez o que estava acontecendo comigo e foi libertador. Me lembro desse dia como se fosse ontem, nós duas choramos muito e ao passar do tempo fui conseguindo encontrar a minha aceitação, com ajuda das pesquisas, arte e os melhores amigos que alguém poderia ter.
Universo Retrô – Entre tantos estilos, ao se assumir uma mulher trans, porque você se identificou mais com o estilo vintage? Como nasceu essa paixão?
Juliana Feitosa: Eu sou uma amante da moda e o glamour hollywoodiano retrô sempre me fascinou desde criança. Quando o Instagram chegou e vi meninas belíssimas como a Sarah Amethyst, que é a minha melhor amiga e me apresentou as melhores referências que podia, como a Angelique Noir, Jenny Rieu e Paula Renata, a Miss Black Divine, entre outras… a diversidade de todas as pin-ups me inspira e me motiva a estar aqui.
Universo Retrô- Sabemos também que o estilo vintage é bem amplo, principalmente por abranger diferentes décadas. Mas, dentro desse estilo, o glamour, fetichismo e o burlesco são o que mais te atrai. Porque esses estilos brilham seus olhos?
Juliana Feitosa: Eu particularmente gosto de muito exagero! Adoro imagem exagerada e escandalosa que podemos produzir. Ouvi a Donatella Versace numa entrevista sobre a “naturalidade” da beleza feminina e ela soltou: “Naturalidade está reservada apenas para os vegetais”, e é isso.
“We’re all born naked and the rest is drag” – Rupaul.
Universo Retrô – Ser uma mulher trans em uma sociedade como a nossa, já sabemos que é bem difícil. E como é ser trans na comunidade vintage?
Juliana Feitosa: Por incrível que pareça eu fui muito bem tratada por muitas pessoas. Algumas se tornaram parte da minha “Haus” e eu as levarei comigo pra sempre. Já vi algumas pessoas sendo transfóbicas em rede social, mas eu não me importo. É muito fácil distribuir ódio para uma comunidade extremamente vulnerável na internet, mas da próxima vez tente ser um ser humano melhor e adquira empatia e conhecimento.
Universo Retrô – Você participou de uma matéria da revista Claudia, na edição de março de 2018, sobre o projeto Resistir, que busca mostrar a beleza de todos os corpos. Como foi essa experiência?
Juliana Feitosa: UAU! Esse ensaio foi produzido em 2017 e foi minha primeira experiência como “modelo” e foi magnífico dividir minha história com tantas outras mulheres maravilhosas. Quando a foto saiu na Claudia eu gritei e eu só fiquei sabendo pela Jessy Pink que viu a foto e me avisou. Essa foto até agora está sendo compartilhada em milhares de perfis e grupos, fico orgulhosa das pessoas entenderem que nós, enquanto mulheres, somos diversas e há beleza para cada uma de nós.
Universo Retrô – Seu ensaio foi inspirado na Coccinelle, dançarina transsexual de cabaret francesa. Aliás, seu ensaio foi feito no Cabaret da Cecília, um espaço cultural bastante transgressor em São Paulo. Nos fale mais sobre a inspiração desse trabalho.
Juliana Feitosa: Desde a minha chegada no mundo retrô, a Coccinelle vem sido a minha principal musa por justamente ser trans e ter vivido sem nenhuma vergonha ou culpa. O Cabaré da Cecília é um lugar fantástico e eu nunca serei grata o suficiente pelo Thiaguinho ter me dado espaço para esse ensaio (que saiu belíssimo por sinal). Adoro esse lugar, me sinto nos anos 20 toda vez que vou e indico a todos vocês que gostam de arte, boa música, gente bonita e provocação (tô ensaiando umas performances também).
Universo Retrô – Além de Coccinelle, quais outras mulheres trans vintage podemos nos inspirar?
Juliana Feitosa: Não existem muitas, pois infelizmente, a sociedade estava ocupada demais marginalizando desde sempre a população trans. Mas as artistas do cabaré Le Carroussel como a própria Coccinelle, Marie Pierre Pruvot (Bambi), a modelo April Ashley, Candy Darling, as ativistas como Marsha P.Johnson e Sylvia Rivera.
Universo Retrô – E hoje, quais são suas inspirações modernas de pin-up trans?
Juliana Feitosa: Como não vejo muitas no Instagram, fora a Rebecca e a Morcega, misturo com as drag queens como a Violet Chachki, as Deendjers que são brasileiras e maravilhosas! E a atriz Dominique Jackson (a Elektra, da série “Pose”).
Universo Retrô – O que você acredita que pode ser feito para que mulheres trans consigam cada vez mais serem respeitadas e conquistarem seu espaço?
Juliana Feitosa: Acredito que seja um trabalho em conjunto. Desde sempre as mulheres trans estão na linha de frente e isso não pode parar, por pior que a situação esteja. Pessoas cisgêneros podem ser nossos aliados, nos dando o espaço para o diálogo e a importância da diversidade saia de um ideal e que vire a realidade. Se você não conhece, pesquise, existem milhões de youtubers que falam sobre a transexualidade de maneira didática. Assista a série Pose (está na Netflix) e se permita conhecer o outro e aprender.
Universo Retrô – Para finalizar, qual seria seu recado para as mulheres trans que querem investir no estilo retrô?
Juliana Feitosa: “Vai na fé!” Eu sei que pode ser intimidador quando você é trans e se depara com tantas mulheres belíssimas e você acha que você não merece, já que historicamente o único local de mulheres trans é a marginalidade. Mas, eu quero promover a mudança! Nós viemos de muitos anos excluídas e agora é hora de ocupar esses espaços que nos foram tomados. Eu estou com cada mulher trans que se atreve a ousar; mostre sua beleza, lute pela sua vida e as pessoas certas estarão com você.
A TRANSEXUALIDADE NO BRASIL
A transexualidade, cuja identidade de gênero difere da qual foi designada ao nascer, existe desde que o mundo é mundo. Mas, por muito tempo, não foi compreendida e já chegou até a ser considerada transtorno mental. O preconceito sempre marginalizou essas pessoas, fazendo com que elas tivessem pouco espaço na sociedade.
Segundo pesquisa, da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) com o IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), publicado no início desse ano, o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans, sendo São Paulo o estado mais perigoso para pessoas que se identificam como tal.
Felizmente, o assunto tem estado cada vez mais em pauta e mais pessoas estão tomando consciência da importância e necessidade de respeitar e incluir pessoas trans nos diversos espaços.
FICHA TÉCNICA
Pin-Up: Juliana Feitosa
Fotógrafa: Ana Di Castro
Stylist: Sarah Amethyst