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O auge do rock nacional durante a década de 1980

19 de setembro de 2017, por Daise Alves
Música
Cazuza

Os anos 80 ficaram marcados pela explosão do rock nacional, ou o BRock, como ficou conhecido o rock ‘n roll cantado em português. Mas, para entender esse fenômeno musical, é importante refletir sobre o momento que o país vivia. A década enfrentava uma transição entre ditadura e democracia, portanto tornou-se propícia para letras contestatórias, liberais e que refletiam a realidade do país naquele momento.

Em 1984, houve o Movimento Diretas Já, que reivindicava a volta das eleições diretas para Presidente da República e que levou milhares de jovens às ruas. O que acarretou, em 1985, no fim do regime militar e na eleição indireta de Tancredo Neves à presidência – que acabou morrendo antes mesmo de assumir o cargo e sendo substituído pelo, então, vice-presidente José Sarney -. Só em 1989 foi acontecer a primeira eleição direta para Presidente da República, elegendo Fernando Collor de Mello.

Diretas Já

Uma das imagens que ilustra o que foi a passeata da ‘Diretas Já’ (Foto: Reprodução)

O sentimento, em meio a esse turbilhão de acontecimentos no país, era de revolta e patriotismo. O início da abertura política trouxe consigo também a possibilidade de se fazer música de forma mais simples e direta do que as gerações que enfrentaram a censura faziam, como a Tropicália. Em busca de uma nação melhor e mais justa e inspirados pela explosão do rock mundial, os jovens brasileiros da época buscavam representação, liberdade de expressão e identidade, em meio a uma revolução sociocultural que estava acontecendo.

Os gêneros Punk, Pós-punk e New Wave, que possuíam características mais agressivas, influenciaram esses jovens a formar a famosa “Geração 80” do Brasil, com arranjos mais fortes, letras politizadas e que prezavam pela liberdade de expressão. Eram bandas vindas de diversas regiões do país, cada qual com suas singularidades e referências. O interessante é que grande parte delas fazem sucesso até hoje. No entanto, com o passar dos anos e a popularização do gênero no mainstream, o rock nacional acabou se incorporando à MPB (Música Popular Brasileira) e perdendo um pouco das suas características contestatórias.

The Cure

The Cure com o estilo que representa muito os anos 80 (Foto: Reprodução)

A POPULARIZAÇÃO DO BRock

O Rio de Janeiro era o centro de repercussão nacional, era lá que estavam muitas gravadoras, além da Rede Globo de Televisão, que também ajudou a impulsionar alguns artistas da época. A emissora, que também era proprietária do selo Som Livre, aproveitava para inserir as canções de seus artistas em novelas e outros programas. Um dos destaques foi o programa Mixto Quente, que teve sua transmissão em 1986 e apresentou ao país estrelas do rock nacional, como Léo Jaime, Tokyo e Ritchie.

Na capital carioca, destacaram-se bandas com apelo mais romântico como Blitz, com sua música teatralizada e com grande influência new wave (o hit “Você não soube me amar” chegou a fazer parte da novela Sol de Verão, de 1982); Paralamas do Sucesso, que conseguiu se destacar pelo seu rock and roll cheio de influências do reggae, ska e brasilidades, como na música “Alagados”; Barão Vermelho, com influências no rock and roll e no blues; além de Kid Abelha, Lobão, Lulu Santos, entre outros.

Já em São Paulo, a influência era o caos urbano. O destaque ficou por conta de bandas como Titãs, conseguindo mais destaque no seu terceiro álbum “Cabeça Dinossauro”, de 1986; Ultraje a Rigor, que ficou nacionalmente conhecido com o álbum “Nós Vamos Invadir sua Praia”, de 1985, que fazia uma referência às bandas cariocas; RPM, uma das bandas mais bem sucedidas nos anos 80, chegando a vender mais 5 milhões de discos em sua carreira, e Ira!, com seu som inspirado no estilo mod dos anos 60.

Titãs em foto de 1986

Titãs em foto de 1986, época em que foi lançado ‘Cabeça Dinossauro’ (Foto: Reprodução)

Ainda em São Paulo, bandas com referências mais punk rock como Cólera, Inocentes, Ratos de Porão e Olhos Seco ganharam destaque no “O Começo do Fim do Mundo”, festival realizado no SESC Pompéia, em 1982. No quesito Rockabilly, Coke Luxe e Grilos Barulhentos se inspiravam no fenômeno dos Stray Cats para compor seus sucessos que ganharam espaço na grande mídia, mas até hoje permanecem no underground.

Brasília, o foco era falar sobre a rotina da cidade, que oferecia pouco atrativo para os jovens da época, em sua parte filhos de professores, políticos e diplomatas. Por lá, podemos destacar Aborto Elétrico, que geraria a lendária Legião Urbana, liderada por Renato Russo, considerado um dos maiores letristas da geração, ao lado de Cazuza; e Capital Inicial, por Dinho Ouro Preto, e Plebe Rude, que fez sucesso com a música “Minha Renda” de 1985.

Na região Sul, um pouco mais fora do eixo, porém não menos importante, bandas como Engenheiros do HawaIi, Nenhum de Nós e Replicantes ganhavam espaço dentro do cenário nacional. Já na Bahia, que tinha tudo para passar em branco em relação ao rock nacional, já que o local tinha um cenário musical mais regionalizado, surgia o Camisa de Vênus, formada por Marcelo Nova, influenciado por artistas que tiveram seu auge nos anos 70 como Raul Seixas e Novos Baianos.

O IMPULSO E O DECLÍNIO

Casas como Circo Voador, no Rio de Janeiro, e Napalm, Aeroanta e Madame Satã, em São Paulo, foram responsáveis por dar espaço para essas bandas. A Rádio Fluminense foi outro pilar que ajudou a alavancar o movimento, divulgando as novas músicas e os novos nomes da cena.

Mas foi mesmo com o Rock in Rio, criado por Roberto Medina em 1985, em que as bandas de rock nacional foram consolidadas e se profissionalizaram dentro do cenário musical. O movimento se legitimou ao lado de grupos famosos de metal, como ACDC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Scorpions e Whitesnake. O festival não só impulsionou as bandas que se apresentaram, como também deixou um cenário aberto para as que estavam por vir, que também passaram a ser vistas como boas apostas.

Cazuza e Frejat

Cazuza e Frejat a frente do Barão Vermelho no Rock in Rio de 1985 (Foto: Reprodução)

As bandas com grandes hits começaram a ganhar destaque em programas de auditório como Perdidos da Noite e Cassino do Chacrinha. Entretanto, o excesso de bandas da época, o amadorismo, a falta de talento e o desinteresse de algumas gravadoras, fez com que muitas tivessem prazo de validade e só os mais fortes sobreviveriam. Como a banda Absyntho, que fez sucesso com a música “Ursinho Blau, Blau”, entre o ano de 1983 e 1985 e desapareceu após 1987.

Bandas como Magazine de Kid Vinil, Dr. Silvana e CIA, Rádio Táxi, Sempre Livre, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, Gang 90 e as Absurdettes e Metrô também conseguiram fazer sucesso com algumas canções, porém, por um pequeno período.

Podemos dizer que a partir do ano de 1989 foi quando o declínio do rock dos anos 80 se iniciou, afetando 3 grandes nomes do rock nacional. O racional Renato Russo foi agredido por fãs no palco, enquanto a polícia batia na plateia; o filosófico Raul Seixas também nos deixou em 21 de agosto, com complicações devido ao álcool e o intuitivo e emocional Cazuza faleceu em julho de 1990 em decorrência da Aids.

AS BANDAS ATUAIS QUE SE INSPIRAM NA GERAÇÃO 80

O rock nacional dos anos 80 tem uma característica muito datada e é muito singular da época. Diferente de bandas de rockabilly, por exemplo, que traduzem fielmente o som dos anos 50, hoje em dia não existe especificamente uma banda nova brasileira com característica completamente oitentistas, mas existem muitos artistas que traduzem o estilo para algumas de suas canções.

Podemos falar que o som produzido pela turma carioca, reflete no trabalho de Letrux, ex-integrante da banda Letuce, no álbum “Em Noite de Climão” lançado esse ano. A voz suave da cantora, se mescla com canções de amor e sintetizadores que trazem a sinergia dos anos 80 para 2017. O álbum conta ainda com a participação de Marina Lima – voz importante da década – na música Puro Charme.

Quem também traz as cores e os sintetizadores dos anos 80 e flerta um pouco mais com a música brasileira é Marcela Vale, conhecida como Mahmundi. A carioca também já trabalhou no Circo Voador, importante casa que ajudou a emplacar as bandas da geração 80. Assim como Letrux, que tem bastante influência de Marina Lima, Mahmundi também tem sido comparada a artista, principalmente na canção “Eterno Verão”, que traz um ar oitentista tropical.

Na música “Vícios e Verso” da banda Vespas Mandarinas lançada em 2013, fica nítida a referência de bandas como Titãs e Inocentes, a começar pelo nome do seu primeiro álbum “Animal Nacional”, composto por canções com letras que reforçam a ideia de lugar comum e questões sociais, típicos de bandas da capital paulista.

Hoje podemos ver as reflexões políticas, essência das bandas brasilienses, na cearense Selvagens À Procura da Lei na canção Brasileiro. Em um dos trechos da música, diz “Nas prisões eles traçam planos de fuga. Enquanto suas esposas puxam as rugas”, frase bastante condizente com o cenário atual em que vivemos.

Mesmo com seus altos e baixos, a Geração 80 foi marcada por bandas que fizeram história na música brasileira e criaram um movimento que inspira os jovens até hoje. Titãs, Paralamas do Sucesso, Ira, Lulu Santos, entre tantos outros que estão na ativa até hoje, são a prova que os anos 1980 foram, de fato, a melhor década para os fãs do rock nacional.

UNIVERSO RETRÔ NO SPOTIFY

Aproveitando, criamos a playlist BRock no perfil do Spotify do Universo Retrô com as músicas que marcaram o rock nacional e algumas canções de artistas atuais que se inspiram nessa geração. Ouça abaixo:

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22 Responses

  1. Nilton Alves

    Muito bom! Realmente é um resgate de um som emitido no passado mas, na relatividade do tempo que talvez nem exista, como o som é energia vibrando em determinada frequência… tá tudo por ai no éter. Certamente, para extrair a qualidade desse universo é necessário um aparelho muito sofisticado que chamamos de ouvido. Parabéns por ser você uma feliz proprietária desse ouvir e por nos brindar com sua seleção.
    Estou ouvindo! Grato.

    Ah! que eu saiba não somos parente…

  2. Fernando Falcão do nascimento

    Um resumo do início meio e atualidade de um gênero musical pelo qual sou apaixonado . Meus parabéns daise Alves pela matéria , e obrigado por introduzir uma renovação nesse gênero , que ao longo dos anos perdeu um pouco de força na cena jovem.

  3. João Massena M Filho

    Meu niver (já passei dos tantos) será com música ao vivo, jam session de Rock Nacional anos 70-80, e seu texto me ajudou bastante.
    Obrigado
    João

  4. RICK JONES

    BOA TARDE…AMEI A MATÉRIA, TÁ ÓTIMA…CONSEGUI VOLTAR NO TEMPO E SENTIR COMO ERA BOM OS ANOS 80. ALÉM DO ROCK, A MPB SE DESTACOU TBM NOS GRANDES FESTIVAIS….HJ SÓ SE OUVE LIXO E BUNDA!! APELAÇÃO PURA!!! TÁ DIFÍCIL ACHAR UMA MUSICA BOA OU ALGUÉM QUE SE GARANTA NA VOZ. ( DIZER QUE PABLO VITTAR É CANTOR…É INSULTAR MINHA INTELIGÊNCIA )

    PARABÉNS!!!

  5. gabriel alonso

    Olá Daise Alves, vivi os anos 80 com muita intensidade,frequentando e tocando em casas que mencionou e lembrando de casas em SP como Radar Tanta, Latitude 2001, teatro mambembe, Radio Laser, Tiffon, Rose Bom Bom, Vistoria Pub , além do Sesc Pompeia com a Fabrica do Som. Enfim como é bom ter a trajetória dos anos 80 relembrada.

  6. Billy Nilson

    Gostei da matéria, principalmente por não ter esquecido a Camisa de Venus, que na época era quem mais transgredia e surgiu de um lugar onde não existiam várias bandas impulsionando uma cena. Eu vivi intensamente os anos 80 e vi quase todas as bandas citadas na matéria: Raul Seixas, Camisa de Venus, Barão, Paralamas, Ira, Engenheiros do Hawaí, Replicantes, Titãs, Legião Urbana (vi um show da tour “As Quatro Estações”, no qual o Renato Russo revelou sua sexualidade), etc. Imaginávamos que os Kães Vadius conseguiriam se estabelecer neste cenário BRock, eram comparados ao Camisa de Vênus aqui em SP, mas vários percalços no caminho acabaram atrapalhando a trajetória da banda, que inclusive teve uma música que entrou na programação normal da 97fm e uma semana depois a rádio fechou!, além de morte de integrante, problemas com um empresário e gravadora etc., mesmo assim influenciou várias bandas da cena Rocka/PsychoBilly.

  7. Sandro Cocco

    Oi Daise, que texto fenomenal. Posso usar em sala de aula com meus alunos?

    Uma pequena correção: Raul faleceu em 1989, mas o Cazuza faleceu em 1990.

    Xero!!!

    1. Oi Sandro, primeiramente, muito obrigada por comentar na matéria, fico feliz que tenha gostado e honrada se quiser usar o material com seus alunos. Quanto ao texto, peço desculpa e agradeço, já atualizei a informação para melhor entendimento :)

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