Não é de hoje que a sociedade se apoia em seus antepassados como referência para viver o presente. No Renascimento, por exemplo, início da Era Moderna, os homens se inspiravam na Antiguidade Clássica, em civilizações como Grécia e Roma, como referência cultural para desenvolver seus novos valores.
Mas, nunca houve na história da humanidade uma sociedade tão obcecada por um passado tão recente como a que nos encontramos hoje. Prova disso é a força do conceito retrô, que vem acompanhado de revivals, reedições, remakes, recriações, reproduções, readaptações, reciclagens, regravações, recordações, revisitas e resgates. Essa força dominante na cultura atual pode ser chamada de Era dos “Res” e esse fascínio pelo passado é reflexo dos avanços tecnológicos.
Como a tecnologia avança cada vez mais rápido, antes as informações eram resgatadas por meio de interpretação de desenhos rupestres, pergaminhos, livros, registros escritos e visuais ou o famoso boca a boca, o que levava um certo tempo para serem absorvidas. Mas, com o surgimento da internet, passou a ser disseminada de forma rápida e, com a rotina diária, fica impossível acompanhá-la, como podemos ver nessa matéria aqui.
Assim, até assimilarmos o momento presente ou o que aconteceu dias atrás, entramos em uma onda de saudades e recordações. Esse sentimento de nostalgia não se refere a um indivíduo, mais a um coletivo, em que juntos se transformam em um “plural de saudade”.
Esse sentimento coletivo impacta na Indústria Cultural, que vê no passado uma forma de produção de conteúdo. Seja na esfera do cinema, moda, design ou outros campos da indústria e da arte, entramos em uma era de “Re–Década”, a época do revival, como descrito no livro Retromania: Pop Culture’s Addiction to Its Own Past de Simon Reynolds.
Como o revival é aplicado na indústria cultural
O revival no cinema
No cinema há remakes como A Bela e a Fera, Tarzan, Caça-Fantasmas; sequências de filmes, como as novas produções de Star Wars, o já consagrado O Poderoso Chefão ou a animação Toy Story; produção de boxes de filmes clássicos, como Coleção Woody Allen, Coleção Charlis Chaplin; readaptações de séries de TV como A Grande Família ou até novas produções com estética retrô como Mad Men, Pan Am e Stranger Things.
A nostalgia na música
encontramos canções regravadas, como Yesterday dos Beatles e Garota de Ipanema de Tom Jobin, consideradas as mais regravadas de todos os tempos; bandas lendárias que voltaram aos palcos para tours especiais ou comemorativas, como os integrantes do Guns N’ Roses, que retornaram em 2016 com a formação clássica depois de anos parados e também a brasileira Novos Baianos, que se reencontraram depois de 17 anos longe das estradas.
Documentários ou biografias dedicados a astros que já faleceram como What Happened Nina Simone e Amy, produções que falam das respectivas cantoras ou até bandas “múmias da música” que ainda continuam em atividade e podemos considerar um verdadeiro museu vivo, como Rolling Stones.
O crescimento da moda retrô
Na moda, esse “re-torno” fica ainda mais visível. São os sapatos dos anos 40, as saias rodados dos anos 50, as minissaias dos anos 60, a moda hippie dos anos 70, a maquiagem dos anos 80, o jeans dos anos 90. Diariamente somos impactados por “velhas novas novidades” na indústria da moda.
E não para por aí, vemos a presença do “RE” na indústria dos games, brinquedos, design, revistas e até a própria tecnologia tem seu momento de “retorno ao passado”, como a Nokia que acabou de anunciar a volta do clássico celular da cobrinha 3310 e a Nestlé que anunciou o retorno do Chocolate Surpresa para a Páscoa.
Apesar de estarmos cercados por diversos aparatos tecnológicos futuristas, nos apegamos a ferramentas que parecem uma máquina do tempo, como os filtros vintage do Instagram ou os games produzidos com interface antiga.
COMO SURGIU O REVIVAL?
Podemos dizer que a Era Moderna inicia com o Renascimento Artístico e Comercial e simbolicamente termina nos anos de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o surgimento da bomba atômica com a explosão nas cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão.
Com esse acontecimento, o sentimento de desesperança passou a crescer no imaginário social, as pessoas começaram a perceber que podiam dormir cheia de sonhos e acordar com tudo destruído.
Mas podemos dizer que foi mesmo os anos 1960 a última década da Modernidade, época em que ainda havia o objetivo de olhar para o futuro com o conceito da Era Espacial, pensar adiante, chegar no espaço, focar nas coisas do presente que representam “o mundo de amanhã hoje”.
Essa ideia de futuro próspero é nítida nos filmes de ficção científica dos anos 50 e 60, onde ainda temos um futuro elegante, limpo, com design arrojado e a esperança de um “futuro presente”.
Entretanto, com o fim da década de 60, entramos na era Pós-Moderna e deixamos de viver o “futuro presente” e passamos a permear a idealização de um “passado presente”. O que nos dá a ideia desse início de pós-modernidade é o filme de ficção científica pós-apocalíptico Planeta dos Macacos de 1968, em que somos apresentados a um futuro sem futuro, decorrente de um passado com resultados catastróficos.
No início dos anos 70 temos também algumas mudanças comportamentais, influenciados pela geração hippie. Pela primeira vez vemos jovens preocupados com a natureza e os impactos que indústria tem causado a ela. Os resíduos do passado e o consumo desenfreado começaram a impactar o presente e as pessoas passaram a perceber a “herança negativa” deixada por seus antepassados.
Nessa era pós-moderna, não falamos mais de avançamos tecnológicos que servirão para o bem-estar, como no modernismo, mas em um futuro apocalíptico com uma sociedade niilista (que não crê mais em nada) e hedonista (com a ideia de viver o hoje com o máximo de prazer, pois nada pode existir amanhã).
A VIRADA DO SÉCULO COM NOSTALGIA
Mas em termos mainstream foi mesmo na virada do século XXI, com a chegada dos anos 2000 que a “Era dos ‘Res’” começa a fazer parte do cotidiano social. Os anos 2000 foi a junção de todas as décadas, ela conseguiu trazer a psicodelia dos anos 60; o garage-punk dos anos 70 com bandas como The White Stripes e The Vines e cantoras com a alma soul como Adele e Amy Wine House; o espírito dos anos 80 com cantoras pops como Lady Gaga e La Roux. Todas décadas que tinham suas concepções de futuro.
Começamos então a “Re-Processar” tudo que aconteceu no século XX e assimilar com o presente. Entramos em um período em que algo novo está acontecendo (advento da internet), com o que está sendo “Re-Visitado”. Coisas novas em todos os setores da indústria (moda, música, cinama, design…) começam a surgir, mas com frescor de ideias antigas.
O passado então passa a ser venerado, “res-gatamos” não a herança dos resquícios negativos, mas as coisas boas que permearam aquelas décadas.
Entramos em uma indústria criativa baseada em pastiche (imitação, cópia). Signos, estilos e valores são retirados do seu contexto original do passado e inseridos em um produto presente, tornando-se algo cheio de referências culturais, virando uma verdadeira colcha de retalhos dando uma nova roupagem de modernidade. É o que podemos ver em filmes como La La Land, a nostalgia pela era de ouro hollywoodiana, cheia de referências cinematográficas.
Nesse pastiche, os artefatos do passado – como colecionar antiguidades, antes atividade elegante e de exclusividade de uma sociedade elitizada – passam a se tornar um fenômeno popular como passatempo da classe-média, e o termo “re-trô” vem a ser a nova palavra de ordem.
Além da grande indústria, surgem também pequenas negócios de roupas, bares, festas, salões de beleza, programas de TV, que têm como mote principal o resgate do passado por meio da construção de memórias afetivas.
Todo esse revival envolto de nostalgia trata-se de um sentimento, uma emoção universal, que não está necessariamente ligada ao retrocesso, decadência ou a idealização de um passado que foi melhor, mas se divertir com o charme dos anos que se foram de forma mais icônica e imaginética, relacionada a cultura do entretenimento.